Cuidado com a treta que a treta te pega. E pega daqui e pega de lá.
Tretas são criaturas insidiosas, que vivem de tocaia esperando que a gente se enrede nas suas teias, caia nas suas armadilhas.
E a gente cai.
Cai porque é humano, e o humano tem um desejo atávico de justiça.
Cada absurdo dito é como um quadro torto na parede, uma mesa de centro fora do centro, um livro de cabeça pra baixo na estante, um botão abotoado na casa errada.
A gente sabe que não é da nossa conta. Que consertar o quadro não vai botar o mundo no eixo, que cada um abotoa os próprios botões como bem entender, que o outro tem direito de achar o que quiser (inclusive a nosso respeito). Mas por vezes a vontade de alinhar, corrigir, esclarecer, é mais forte que o bom senso e, quando menos espera, lá estamos nós nas garras da treta e batendo boca com estranhos.
Há três desenlaces possíveis para uma treta.
No primeiro, você sai perdendo logo de cara, ao não aceitar a provocação e passar por covarde.
No segundo, sai perdendo um pouco depois, ao aceitar a provocação e ver que isso era tudo de que a treta precisava para ganhar musculatura, arreganhar os dentes, afiar as garras e começar a botar fogo pelas ventas.
No terceiro — e mais comum — você sai perdendo no final, quando descobre que a treta usa expedientes condenados pela Convenção de Genebra, armas químicas que Saddam Hussein achava antiético lançar contra os inimigos e um palavreado que só costumava frequentar a geral do Maracanã — e em momentos de gol roubado.
Tretas não precisam ser cultivadas: nascem de geração espontânea. Você não precisa ir até elas: elas saltam no seu cangote.
Só esta semana me atraquei com duas — e das graúdas. Logo eu, que me julgava imune a elas, com anos de praia e quatro doses de Pfizer Antitreta Plus.
Mas como a Avon, a treta chama. Como o Denorex, parece (uma divergência de opiniões) mas não é. Como Sucrilhos, desperta o tigre que há em você. E, ao contrário do Nescau, é uma perda de energia, que só dá desgosto.
Uma das tretas foi política, o que é um contrassenso — política, para Bertrand Russell, é “o conjunto dos meios que permitem alcançar os efeitos desejados”, e toda treta envolvendo política deixa indesejabilíssimos hematomas emocionais. Como sou simultaneamente fascista, comunista e isentão, as equimoses tendem a ser endêmicas e generalizadas.
A treta número 2 foi envolvendo gatos — não os de internet, água ou luz, que podem dar cadeia, mas os Felis catus, os bichanos de rua. Esses que tento ajudar sempre que posso, com campanhas de adoção, pedidos de doações etc.
É que quando você olha um gato, há sempre uma figura oculta, que é uma “protetora de gatos” atrás, o que é algo muito importante — e frequentemente assustador. Porque há as protetoras de gatos que gostam de gatos e as protetoras de gatos que odeiam humanos.
As primeiras estão entre as pessoas mais admiráveis que existem (se encontrar uma delas, abrace-a e agradeça por ela existir). Das segundas, guarde a prudente distância que um rato deve guardar de um gato.
Estou há 5 dias livre de tretas. Elas fazem “psiu”, e eu finjo que não é comigo. Aliás, esta regra vale para gorilas e tretas: não estabeleça contato visual. Quando elas entoam suas cantilenas, eu me amarro ao mastro mais próximo e faço ouvidos de SAC da Net.
Foi só uma recaída (ok, duas), porque eu dou um boi pra não entrar numa treta, e um rebanho bovino inteiro para continuar fora dela. Mas a treta é danada. Um descuido e crau. Cuidado com ela.
Ilustração: Sydney Michelette Jr.