Sempre me considerei muito sortuda por ter amigos maravilhosos e uma família presente e amorosa. No entanto, depois de um ano e meio testemunhando tanta tristeza de perto e de longe, o conceito de sorte assumiu pra mim uma outra dimensão.
Em agosto do ano passado, a covid invadiu a nossa casa. Tive os piores e mais insistentes sintomas; não cheguei a ser hospitalizada, mas fiquei com uma sequela mínima: o olfato deixou de ser tão apurado.
Não foi a primeira vez que meu anjo da guarda mostrou estar atento e forte: há exatos quatro anos, fui atropelada ao atravessar uma rua movimentada quando chegava ao trabalho. Bati a cabeça, desmaiei, viajei na ambulância do SAMU até a Emergência, sofri escoriações, levei vários pontos… E não quebrei um ossinho sequer.
Mas o maior susto tinha sido há 11 anos, quando acordei em Paris, com a notícia de que o airbus da Air France estava no fundo do Atlântico. Eu estaria naquele avião se não tivesse desistido de ir ao casamento de amigos e trocado a passagem para voar na véspera, por insistência da querida Joana Calmon. (Não disse que os meus amigos são incríveis?). Chorando muito, com um misto de alívio e culpa por sentir algo vagamente positivo diante da morte de 200 pessoas, andei a esmo, até entrar na igreja de Saint Sulpice, onde dei de cara com um padre.
Ele não estava no confessionário — parecia à minha espera. Depois de me ouvir, o padre abriu a Bíblia e leu um versículo da carta de São Paulo aos filipenses. O apóstolo dizia que seria muito bom estar perto de Jesus, mas que ele achava importante “ficar na carne” por mais tempo. As palavras do padre foram um bálsamo: a licença de que eu precisava para celebrar a vida. Naquele dia, sentindo uma profunda gratidão, fiz a promessa de assistir às missas de domingo por um ano — hábito que mantenho até hoje, na igreja da universidade onde estudei.
Foi a fé que me ajudou a enfrentar a covid ao longo de 40 dias, sem nunca ser dominada pelo medo. Antes, ao fazer parte da equipe do programa Combate ao Coronavírus, na Globo, naquele momento inicial da epidemia no Brasil, percebi, de forma inédita, a imensa importância da minha profissão – nunca antes o jornalismo fez tanto sentido pra mim. É lamentável que tanta gente insista em virar as costas para a informação bem apurada — com consequências trágicas.
Marita Graça é jornalista premiada, produtora, editora e tradutora. Começou a estagiar na Globo em 1984 e está na GloboNews desde 1997. É apaixonada por livros, música, notícias e cinema, mas, antes de tudo, no seu coração, está o Fluminense!