Uma das formas clássicas de contar uma história é o recurso/metáfora da antropomorfização. Animais que falam com sentimentos humanos, fábulas, reinos se incorporam em todas as linguagens narrativas. Uma das mais importantes histórias do mundo ocidental é “Metamorfose”, de Franz Kafka. Numa certa manhã, Gregor, caixeiro-viajante, acorda metamorfoseado num inseto monstruoso. “Macaco – Relatório a uma academia”, a partir do conto de Kafka, faz o caminho contrário: o macaco se transforma em homem.
A peça é uma adaptação do diretor Beto Brown, com atuação de Eduardo Andrade. O monólogo é clássico, com o único personagem, sozinho no palco, narrando sua história, seu cotidiano, ao mesmo tempo em que revela o que pensa. Como um grande solilóquio, Eduardo-Macaco-Acadêmico mostra como transformou sua prisão e confinamento em um navio na sua própria libertação, transmudando-se em acadêmico.
A iluminação é elemento dramatúrgico fundamental, pois o foco em recortes do corpo de Eduardo ou em partes do espaço cênico vai dar o significado aos sentimentos do personagem. O jogo de luz é decisivo no fechamento do espetáculo. Da mesma forma, o figurino, um tanto atemporal, com toques de luxo pela nobreza dos tecidos, mostra-nos que o animal original agora é pessoa de fino trato.
É a atuação de Eduardo Andrade, com centro naquilo, que interessa e sobressai o ofício do ator de teatro — voz e corpo —, a grande qualidade do espetáculo. Eduardo tem a capacidade de pronunciar perfeita e corretamente todas as palavras. Nada se perde, e tudo ganha peso, emoção, sentido na voz forte, sem nenhum sotaque, um prazer de ouvir. Mas é a expressão corporal do ator, construída em mais de 30 anos como palhaço e na Intrépida Trupe e do grupo Irmãos Brothers, que nos comove. É simiesca, mas não é caricata. Sem exagero, sem gritos, sem pastiche ou paródia, Eduardo nos lembra como ali, apesar do texto, ainda está presente o animal.
A fábula é linda. A trajetória no Ocidente tem que ser sustentada na possível sofisticação do conhecimento, no vocabulário, ao mesmo tempo evidenciando que nada de diferente pode sobreviver. Mas como tudo na vida, temos dois lados. A libertação se faz quando se conhece, quando se sabe. E “Macaco — Relatório a uma academia”, espetáculo bem urdido de Beto Brown e Eduardo Andrade, indica-nos que a condição humana não está no exterior do corpo, mas em nossa cabeça.
Serviço:
Até 15 de julho
OnDemand
https://funarjemcasa.yazo.com.br