Durante cinco dias, até este fim de semana, passaram 40 jogadores de golfe (27 profissionais e 13 amadores) pelo gramado do Campo Olímpico do Rio, na Barra, no “1º PGA Brasil Championship TH 50 Serie OGC”, levando um público de mais ou menos cinco mil pessoas.
Esse foi um dos eventos que têm acontecido num dos legados mais ativos dos Jogos Olímpicos Rio 2016, aberto ao público logo depois e, desde 2017, administrado pelo carioca Carlos Favoreto, engenheiro agrônomo, ambientalista e fundador da ECP Environmental Solutions, empresa de consultoria ambiental.
Um dos sonhos de Favoretto é popularizar o esporte, que conheceu em 2002, quando esteve à frente da construção de um campo profissional na Barra. Eis que, 11 anos depois, ele foi convidado para participar do campo para a Rio 2016 (o projeto arquitetônico foi do americano Gil Hanse), o único da América Latina considerado de “nível internacional” – no ano em que a cidade foi escolhida como sede, e o golfe retornou como esporte olímpico depois de 112 anos. Hoje, é praticante e apaixonado.
Mas o que move Favoreto vai além do esporte: a natureza e os projetos sociais que desenvolve há quatro anos, com crianças de favelas.
Um dos maiores orgulhos de Favoretto é a reconstrução da flora – da área de 1 milhão de metros quadrados, eram apenas 100 mil metros de vegetação nativa, quatro anos depois, passou a 600 mil e, com isso, surgiram novas espécies de fauna que convivem em harmonia com os jogadores, incluindo aí 50 jacarés-do-papo-amarelo. A sorte é que o ministro Ricardo Salles não circulou por ali, digamos assim.
Qual foi sua maior motivação para pegar a administração do campo?
Comecei a construção em 2013 e entreguei em 2015. Até 2016, o campo foi administrado pela Confederação Brasileira de Golfe. Mas depois disso, tanto a confederação quanto o Comitê Olímpico Brasileiro (COB) e o Comitê Olímpico Internacional (COI), fizeram a mesma coisa que aconteceu com outros legados: abandonaram. Não podia deixar porque 99% dali são ambiente e apenas 1%, construção. Éramos o patinho feio das Olimpíadas porque existia uma área de mineração de areia degradada, mas ainda com alguns trechos de áreas preservadas, árvores grandes, e propusemos fazer a recuperação. De 100 mil metros quadrados de vegetação nativa, passou a ter 600 mil. Isso porque todo mundo dizia que não daria certo, mas fomos pra dentro. Entrou gente na Justiça, no Ministério Público, denunciando que tomamos área de reserva ambiental, mas foi o contrário; provamos que era possível e foi um sucesso. De patinho feio, passamos a ser o cisne negro. Peguei em janeiro de 2017, com Deus e minha equipe. No início, eram 50 pessoas visitando e jogando por mês. Em janeiro de 2018, já tinham 10 mil pessoas por mês e, em 2020, antes da pandemia, eram 20 mil.
E como é manter um negócio superlativo?
O campo custa R$500 mil mensais e temos 200 funcionários. Eu mesmo corto a grama todos os dias. Temos mais ou menos 150 associados – não sócios – que pagam entre R$ 1,2 mil e R$ 2 mil mensais (a taxa para qualquer clube privado é de mais ou menos R$ 5 mil). Mas também vendemos produtos, temos o restaurante, a capela, aluguel dos salões de festa, de carrinho elétrico (R$180 cada um; ele tem 30 unidades), de equipamentos, daí a gente vai somando. Com a pandemia, por exemplo, mal fechamos as contas, então eu subsidiava com outros negócios meus. Consegui vencer.
O que deixou de fazer nesse período?
Não recebo turistas de fora do Brasil desde março de 2020. Em janeiro de 2020, tínhamos 20 mil pessoas por mês do mundo inteiro, e isso fomentava os hotéis e restaurantes da região, além do turismo local. Para ter uma ideia, próximo ao carnaval, nos últimos anos, recebi 50 bilionários americanos e canadenses que fretavam um avião, ficavam no Copacabana Palace, alugavam 10 helicópteros, vinham para o campo, jogavam golfe e aproveitavam a cidade. Não vieram no ano passado, claro. Sem contar o aluguel para festas nos dois salões, uma academia que está parada, e foram cancelados mais ou menos 35 casamentos e batizados na capela de São Francisco de Assis, que inauguramos em outubro de 2019. Mas, segundo meu pessoal, temos reserva até 2023, mas já mandei parar. Só vamos voltar com as reservas quando for liberado o funcionamento total.
E como foi o movimento na pandemia? Você chegou a receber denúncias em maio passado…
Mesmo sem eventos, sem nada, com tudo fechado, eu tive 12.500 mil pessoas por mês, porque não somos um clube, mas um campo em que uma pessoa fica 10 mil metros de distância da outra. É como se você estivesse sozinho no Maracanã. Sempre estivemos dentro do decreto, porque são atividades físicas ao ar livre, sem contato físico entre golfistas, muito menos aglomerações, já que é um esporte de concentração máxima. Podemos dizer que é o esporte da pandemia: só você e a bolinha.
Mas então quer dizer que você faz tudo por amor?
Não por amor ao golfe, mas à natureza. Eu fiz a maior recuperação de fauna e flora e restinga do Planeta. Aumentamos 600% da vegetação e, com isso, 1.200% da fauna. A partir do momento em que você incrementa a flora, ela dá abrigo e alimento para os animais. Pelas planilhas que enviamos aos órgãos ambientais mensalmente, vivem aqui 80 capivaras, 50 jacarés-do-papo-amarelo, que é ameaçado de extinção, além de paca, tatu, bicho-preguiça, corujas, centenas de espécies de ave, um borboletário incrível etc. Temos uma equipe ambiental só fazendo o trabalho de monitoramento. Criamos um ecossistema dentro da cidade, tanto que apareceu até um cachorro-do-mato, e continuam surgindo espécies raras aqui atraídas por esse ambiente natural preservado.
Acredita na popularização do golfe?
O contato e interação com a natureza proporcionados pelo golfe são incríveis. Percebi que era um esporte que poderia se popularizar e ser praticado por qualquer pessoa independentemente do poder aquisitivo. O campo olímpico é privado, mas pode ser acessado por quem quiser usar o espaço, sem qualquer restrição à instalação olímpica. Isso está ajudando a difundir o esporte para quem nunca teve contato com ele. Quero popularizar, mas não quero perder o glamour; esse é o único campo aberto ao público. Todos os outros são fechados a sócios. As pessoas me cobram para fazer uma piscina, mas isso aqui não é clube, é um campo de golfe – o pessoal tem que vir aqui pra jogar. Sempre somos eleitos o melhor campo do mundo pela revista “Golf Guidance”, uma espécie de guia Michelin do esporte.
Mas como isso pode acontecer aqui?
Uma das ações foi fazer esse torneio. Agora quero trazer um máster que pode chegar a um público de mais de 20 mil pessoas. O golfe lá fora é muito popular e aqui não é pela restrição dos clubes. Lá fora tem campos abertos ao público. É o que eu quero. Tem que ter outros campos públicos como esse, sem precisar ter essa qualidade. No Rio, temos o Itanhangá e o Gávea Golf (ambos com títulos a mais ou menos R$ 20 mil e mensalidade mais de R$ 2 mil), como alguns outros no estado, mas todos com sócios. Hoje, o Brasil tem 220 campos, todos com sócios; não existem associados.
Como despertar interesse das pessoas por um esporte conhecidamente elitista?
Divulgando na imprensa, no boca a boca e redes sociais do campo as aulas gratuitas todos os finais de semana e feriados. Temos professores qualificados, emprestamos equipamento e damos dicas. Está funcionando porque temos 50 alunos por fim de semana, e o número está crescendo; se um deles continuar, eu já tive resultado.
E aí que entram os projetos sociais?
Entre os 150 associados, uma parte são mantenedores. Num deles, eu tenho 14 crianças que fazem aulas de golfe e eu controlo o boletim escolar. Já formei dois golfistas, entre eles, o primeiro do ranking amador carioca, o Humberto Rodrigues, que vai ser o novo Tiger Woods (americano considerado o melhor golfista de todos os tempos), um fenômeno. Temos também 10 PCDs (Pessoas com Deficiência), que vêm aqui uma vez por semana, inclusive o Davizinho Radical (Teixeira), um dos principais nomes do surf adaptado do Brasil, que aprendeu a jogar golfe aqui. E tem o meu predileto, que é o “Golfe que te quero golfe”, para alunos de escolas públicas. Já atendi 3,5 mil crianças. Sempre uma terça do mês, envio um ônibus para pegar de 80 a 200 crianças nas escolas combinadas, elas têm aulas de golfe, educação ambiental, plantam árvores, lancham e depois entregam uma redação sobre o dia. É um negócio inesquecível porque elas choram de alegria.
É um esporte mal divulgado? Quais as vantagens de jogar golfe?
A gente tenta, mas o interesse é pequeno; é um esporte altamente solitário e ético. Como não existe um árbitro tomando conta, você é quem anota seus pontos num cartão, e o fiscal de campo (starter) tem que confiar. Se a pessoa for pega na mentira, a gente comunica à Federação Internacional, e ela é banida em todos os campos, inclusive dos privados. Então é um esporte técnico. Os golfistas são pessoas muito educadas, não falam palavrão, e têm que ter muita concentração, paciência, persistência e nervos controlados.
Nunca pensou em entrar para a política?
Já fui convidado para ser ministro, secretário, suplente de senador, mas, de jeito nenhum – minha vida é empresarial. Mesmo porque é muita dor de cabeça e o rendimento desse pessoal, se for por dentro da lei, é muito abaixo do que eu ganho hoje; então, não tenho o menor interesse.