Três.
Três mil, oitocentos e sessenta e nove.
A noção numérica está ligada à história da humanidade. Há mais de 30.000 anos o homem começou a ter a necessidade de contar, utilizando galhos, pedras ou ossos para contabilizar o que caçava.
Atualmente, vivemos imersos em números que jamais pensaríamos acompanhar: os de contaminados e mortos pelo coronavírus. Lemos as notícias, vemos planilhas e gráficos, tentando entender as curvas e torcendo para que se achatem até, finalmente, desaparecerem de nossas vidas.
Leio que, na quarta-feira, 31 de março, houve três óbitos aqui em Portugal. Mal tive tempo de comemorar pois logo em seguida apareceu, na tela, o total brasileiro desse mesmo dia: 3.869. Mesmo que a situação esteja melhor aqui, um país muito menor, os sinos dobram cada vez mais, por mim e por todos, não importa quantos sejam ou onde vivam.
Estou a um oceano de distância. Um exílio escolhido, em busca de paz. O céu azul de Lisboa, a serra de Sintra, o calçadão de Cascais têm me acolhido e refeito meu olhar. A sensação de segurança, o sentir-me parte desta nova terra deixaram meus dias melhores. Até vir a pandemia.
Portugal comportou-se bem no início. O próprio povo cobrava do governo medidas rígidas, assustado com o que acontecia na Itália. Aprendemos a comprar o necessário, a fazer tudo em casa, a usar máscaras e a manter distância, preparando-nos para a primeira onda da doença. O Brasil observava. Podia ter aprendido e se precavido.
A segunda onda veio com o Natal. As famílias não resistiram, queriam comemorar unidas, e janeiro nos trouxe os piores resultados. Temos vivido assim, confinados por quinze dias, com mais liberdade na quinzena seguinte, tudo avaliado e reavaliado a partir das estatísticas. Há reclamações, porém a maioria tem seguido as regras.
Sofro bastante pelos brasileiros. Temo pelos parentes e amigos. Aflijo-me com a insegurança e o cansaço percebidos nas mensagens. Sinto dor quando recebo um convite para um velório virtual. Não é assim que espero rever as pessoas. Quero abraçá-las, numa celebração de vida.
Quero voltar a passear na praia de Carcavelos e saber que minha sobrinha foi à da Barra. Quero almoçar em uma tasca, em Lisboa, e receber uma foto dos amigos reunidos em uma pizzaria de São Paulo. Quero ir ao Palaphyta, em Cascais, e lembrar-me de quando o conheci, na Lagoa. Ele imigrou para cá, e nem pude visitá-lo ainda.
Começamos a conferir as porcentagens de vacinados, o que nos dá ânimo. A lentidão incomoda, mas pelo menos algo está mudando. Contagens esperançosas, não de desespero.
Com o retorno da primavera, estou a contar as flores que surgem e os ninhos de pássaros. São esses números, felizes, que precisam voltar a fazer parte do cotidiano de todos.
Roberta Ramos é professora. Tem o coração dividido entre Brasil e Portugal. Aproveitou a pandemia para escrever, cozinhar, cantar e cuidar de gatinhos abandonados.