Como falar da pandemia, como falar das pessoas, como falar deste momento?
Muito difícil, pois temos que falar de dentro e fora de nós. Penso que eu gostaria de ter crescido mais espiritualmente. Será que aprendi alguma coisa? Não sei — esse aprendizado é lento e difícil de medir.
Como eu e o Paulo começamos esta pandemia há um ano, e agora como estamos? O que mudou na nossa vida?
Na realidade, fazendo uma retrospectiva na nossa vida de antes, minha e do Paulo, ela continua quase a mesma, por incrível que pareça; o que mudou foram os nossos sentimentos e a maneira de olhar o mundo.
No ano mais recente, antes da pandemia, já morávamos aqui, em Genebra, há quase dez anos. E gostamos muito do nosso entorno, dos nossos amigos e da nossa vida. Acordamos tarde, Paulo mais do que eu. Mulher tem cabeleireiro, manicure e amigas. Então, de vez em quando, elas vêm almoçar aqui ou vamos a um restaurante. Tenho o grupo das amigas brasileiras, do terço e do trabalho.
Em toda a nossa vida, trabalhamos em casa — meu atelier é aqui. Só quando morávamos no hotel no sul da França, tive que levar os quadros para a natureza. Foi uma revolução no meu trabalho: a interferência da natureza neles. As mais recentes exposições foram na Bulgari, em St Moritz, e na Gallery Elle, em Zurich, nos meses de setembro e outubro. Agora, em abril, haveria uma também na Bulgari, mas eu cancelei; ficou proposta para setembro deste ano. Se tudo correr bem, até lá, eu faço.
O Paulo não está escrevendo nenhum livro.
Mas, voltando a um ano antes da pandemia: saímos para andar na natureza que aqui é praticamente dentro da cidade. À tarde, trabalhamos, e esse trabalho vai depender do que estivermos fazendo no momento. À noite, assistimos a filmes em casa. Temos uma TV enorme e comemos pipoca. Estamos na faixa etária de 70 anos. Viagem já não estávamos fazendo muitas; às vezes, algum compromisso de trabalho, um lugar novo para conhecer; de vez em quando, um jantar na casa de alguns amigos. Lemos sempre antes de dormir e dormimos muito tarde.
Outro dia, eu vi a mulher (Alexandra Martins) do Antônio Fagundes, cortando o cabelo dele, e pensei: eu já faço isso há anos, com o meu marido.
Essa é a nossa rotina, que, de vez em quando, é alterada, mas isso já tem anos — não é somente um ano antes da pandemia.
Continuamos trabalhando, andando na natureza, dormindo e acordando tarde, vendo nossos filmes.
Eu, particularmente, deixei de ir ao cabeleireiro, de almoçar com as amigas. Sinto muita falta e muitas saudades. No início, falávamos mais pelo telefone; agora, muito pouco. E sempre que tento marcar de nos vermos, vem uma pontinha de medo.
Rezamos o terço pelo houseparty, e a aula de ginástica é pelo whatsapp.
Todos os dias de manhã, vejo a lista de mortos. Isso agora é diariamente, principalmente no Brasil e aqui, na Suíça. Ontem (23/04), morreram 7 pessoas em toda a Suiça. O bom era que melhorasse no mundo todo! Temos uma sensação de impotência, de tristeza.
Ajudamos sempre, mas não é o suficiente; tudo está fora do nosso controle. Isso causa uma angústia, às vezes choro de manhã. Tudo fica além das nossas capacidades. Vemos famílias inteiras morrendo, pessoas sofrendo sem ajuda, outras fazendo festas clandestinas, criando aglomerações. Pessoas que acreditam e outras, não. Às vezes, eu me pergunto se é falta de amor que existe neste momento no mundo.
Existe, sim, o desespero de não ter o que comer, como pagar as contas e ver alguém que se ama morrendo, ou um desconhecido sofrendo.
Todos no mundo temos que ajudar neste momento. As pessoas comuns, os governos, os amigos, os desconhecidos, seja materialmente, seja com uma palavra de amor. Sempre temos alguma coisa para dar.
Então, se me perguntar se a nossa vida mudou, sim, ela mudou! Não os nossos hábitos; tem pessoas que infelizmente tudo mudou.
Christina Oiticica é artista plástica. Tendo feito exposição em vários países, sua principal técnica é deixar que a natureza aja sobre suas obras. Mora em Genebra, na Suíça, com o marido, o escritor Paulo Coelho, o autor vivo mais traduzido da história, desde 2007.