O ser humano foge de uma formiga, mas é capaz de subir um Everest, ou somos movidos por insistir em um amor impossível e desprezar um emprego porque é repetitivo em alguns momentos. Nossa habilidade em cair em ciladas e evitar sucessos impressionam. No entanto, quando ficamos cegos ou com ant’olhos e nos fixamos em algo que é invencível, mais forte, mais poderoso, acreditamos que temos um poder que não temos? É dessa força e dessa fraqueza, como mergulhar na onda, afogar, subir à tona, que trata “Eu, Moby Dick:: na rede”, versão de Renato Rocha para a obra-prima de Herman Melville.
Do premiadíssimo espetáculo original, Renato, agora, ao tratar a obra como um videoarte, constrói uma experiência digital imagético-sonoro-sensorial que se aproveita dos recursos cinematográficos e multimídias para conduzir os espectadores às profundezas da psique humana, retratadas na obra de Melville pelo viés da tecnologia, nas impactantes imagens criadas pelos irmãos Rico e Renato Villarouca e criação polifônica de Daniel Castanheira e Felipe Habib.
Ao manter a pura poesia, o vitorioso engenho cenográfico, o esqueleto de baleia pendurado – genialmente criado por Bia Junqueira, com cadeiras brancas de plásticos, um fundo de rede, tecidos, areia, um fundo de mar sugerido, mas ao mesmo tempo realista — somos surpreendidos pela grandeza e pela força. Os quatro atores (Kelzy Ecard, Márcio Vito, Noemia Oliveira e Gabriel Salabert), iluminados com jogos que transformam os figurinos de Tarsila Takahashi (marinheiros, pescadores, semideuses descendentes de Netuno) em seres-deuses são, ao mesmo tempo, todos esses.
Com dramaturgia de Pedro Kosovski e trilha sonora original de Felipe Habib e Daniel Castanheirao, tem-se mais do que a narrativa, ainda que potente, da fraqueza de um homem que quer fortalecer-se, combatendo o incombatível. A história do Capitão Ahab é contada não pelos fatos, mas pelo ir e vir de se tentar arpoar a enorme baleia. São as tristezas, as mágoas, as esperanças de homens que querem tornar-se imortais.
A impecável e criativa direção de Renato Rocha leva os quatro atores a se transformarem em seres de maior dimensão, cuja expressão corporal, os meneios das vozes, as interpretações diferenciadas para se transmitirem os sentimentos mais interiorizados são jogados como um barquinho em ondas violentas. Dick pode ser um nome, significar um ser desprezível, ou mesmo uma gíria para pênis, mas, ao nomear a baleia, o que se vê é a obsessão da vida: como nomear aquilo que nos faz ficar obcecado, que é o embate entre a nossa existência e a força externa que não compreendemos.
Serviço:
YouTube do Centro de Artes da UFF – https://youtube.com/c/ CentrodeArtesUFFOficial
Temporada: de 19 de março a 06 de abril.
Horários:
Sexta a domingo
19 a 21 de março, às 20h
26 a 28 de março, às 18h
02 a 04 de abril, às 20h