Todos nós temos uma lembrança afetiva: de alguém que nos acolhe, nos abraça, nos faz rir, nos alimenta. Se quisermos um reencontro com essas lembranças, está tudinho lá em “Calango deu! Os causos da Dona Zaninha” , encenado e escrito por Suzana Nascimento. É um monólogo que tangencia os sentidos que melhor remetem ao amor pelo passado: cheiros, gostos e histórias.
“Calango deu!” é uma celebração do melhor do folclore, do tipo que chamamos de “mineirinho” — em torno de gente esperta, matreira, sabendo vencer pela inteligência, os causos contados por Dona Zaninha. Além disso, leva a plateia a incontidas gargalhadas, que também emocionam, pois a atriz canta, improvisa e mantém um contínuo diálogo com os espectadores, fazendo com que todos nos sintamos em uma conversa regada a cachaça, café e alegria.
Apesar da ausência do público, a peça agora tem o formato site specific, utilizando o cenário realista e a encenação itinerante por entre os cômodos da Casa das Romãs, uma charmosa e valiosa locação carioca, mas com todo o jeitim das Gerais. A direção de Isaac Bernat é engenhosa, elimina a caricatura e o estereótipo, colocando as histórias da personagem no mesmo nível das que conta de seus ilustres compadres mineiros: Drummond, Guimarães Rosa, Bartolomeu Campos de Queirós, Milton Nascimento, entre outros.
“O monólogo foi construído ao longo de cinco anos de uma pesquisa que abrange vocabulário, hábitos, histórias, músicas, crenças; enfim, uma grande celebração à sabedoria popular. Dona Zaninha é uma guardiã desses ricos acervos de memórias — uma genuína contadora de causos, hilária por seu jeito e seu linguajar, mas profunda com suas “sabências” sobre o Tempo”, diz Suzana.
Além de contar surpreendentes causos de amor, de assombração, de padres e beatas, de “sem-vergonhice”, a personagem também convida a cantar com seu bandolim, enquanto ensina uma receita ou simpatia. Entre um cafezinho e uma boa cachaça mineira, Dona Zaninha nos conduz a outras paragens, verídicas (minhas e de meus relicários) ou fantasiosas, mas recheadas de humor, poesia e memória”, explica-nos Suzana.
É envolvente, com gosto de café passado na hora e bolinho de chuva, de feijão com torresmo, de doce de leite com queijo. É de ficar de olhos abertos, coração palpitando para saber pra onde vai cada história. Dona Zaninha só é menos no nome; no resto, é mais e demais. Por sua vez, Suzana Nascimento nos confirma a máxima de que a essência do teatro é o trabalho do ator.
Fotos: Aline Mohamad
Serviço:
6 e 7 de março, às 20h
https://www.youtube.com/c/ DonaZaninhaTV/null