Edgar Morin, pseudônimo de Edgar Nahoum, judeu de origem sefaradita, nascido em Paris, antropólogo, sociólogo, filósofo, epistemólogo, escritor, aproxima-se de fazer 100 anos de idade, absolutamente produtivo, e considerado um dos principais pensadores contemporâneos. Sua abordagem é conhecida como “pensamento complexo” ou “paradigma da complexidade”.
Uma de suas ideias destacadas foi mostrar a dificuldade da dialética entre as chamadas “verdades” formuladas em qualquer área. Morin demonstrou que sempre existe muita turbulência em áreas de conflito sobre a verdade, e mostrou que essa turbulência aumenta com o detalhamento desfazendo as certezas. Por isso, em vez de dialética, ele preferiu o termo “complexidade”, que significa buscar uma isenção da pressão ideológica para ter resultados; pressão que sempre pode falsificá-los. É preciso nunca concluir totalmente qualquer coisa, pensar mais, para não cair no “achismo” de que o outro está errado, e nós é que estamos certos porque seguimos tal ideologia ou tal instituição, etc.
Desse modo, pensar em termos de complexidade significa evitar tanto a coerção opressiva da lógica da identidade quanto a licença libertina da lógica da diferença. Qualquer dialética sempre pode produzir um falso apaziguamento, aceitando simplesmente que a identidade deve ser aceita e que a diferença deve ser aceita. O “simplesmente” também significa rejeitar a diferença e rejeitar a identidade só porque desagradam. Podemos chamar essa atitude de narrativas movidas pela popular pobreza de espírito.
A “benevolência” dialética acabou gerando o chamado discurso “politicamente correto”, ou seja, devemos excluir certas expressões do vocabulário, para respeitar as diferenças, pretendendo com isso aceitar a igualdade. Mas como não posso nunca ser absolutamente igual, a não ser eticamente, acabo fazendo de conta que não sou diferente e acreditando que estou certo. Posso ainda me enganar, achando que ajo “em nome” da harmonia social. Todavia, trata-se de uma hipocrisia que intoxica todas as observações e todas as relações sociais.
Não existem limites na história humana para a hipocrisia. Para justificá-la, posso importar modelos de outras culturas, achando-os melhores do que os da minha própria. Rejeito a minha cultura, caindo, no mínimo, num provincianismo cultural. Trata-se, porém, mais gravemente, de uma derrelição moderna: renego a minha cultura para valorizar algo que não conheço pela experiência emocional, e porque simplesmente, olhando de longe, movido por inveja e outros sentimentos derivados de minha incapacidade para criar, concluo que a grama do vizinho sempre me parece mais verde — uma narrativa sempre presente nas mentes muito enfermas.
Arnaldo Chuster é psiquiatra e psicanalista, membro de todas as Sociedades Brasileiras da sua área e ainda do Instituto Psicanalítico de Newport, na Califórnia. Tem consultório em Ipanema e costuma fazer palestras no Brasil inteiro. É também um estudioso do trabalho do psicanalista britânico Wilfred Bion.