Grande nome do carnaval, Margareth Menezes, viu-se no meio da polêmica dos patrocínios das lives que movimentou a Internet no ano da folia online. Enquanto artistas (brancos), como Ivete Sangalo, Claudia Leitte e Bell Marques, deram o que falar com suas lives gigantescas e com dezenas de patrocinadores, Margareth não conseguiu um patrocínio sequer. “Não sei se passa pela questão racial, mas, entre outros questionamentos, é algo para se pensar”, questiona a artista, dona de hinos do carnaval, como, por exemplo, “Faraó Divindade do Egito” (Natureza Egípcia)”, “Dandalunda”, “Elegibô”, “Pelourinho”, entre outras.
Margareth, ou Maga para os inúmeros fãs, até participou da live de Daniela Mercury nessa sexta (12/02) e, também vai estar na apresentação virtual do Grupo Olodum na terça (16/02), a partir das 19h. No entanto, isso não bastou para muitos, como o influenciador Ismael Carvalho.
Em um vídeo postado por ele, que viralizou nas redes, Ismael foi direto: “Por que não tem ninguém questionando o fato de Ivete, Claudia, Daniela, Bell Marques terem lives marcadas e Margareth Menezes não ter nada programado para as próximas semanas?” Experiente, Margareth, 58 anos, não foca na polêmica dos patrocínios das lives, nem na questão artista negro X artista branco que inundou a Internet nos últimos dias. Mas ela faz refletir. “Eu vivo num coletivo. Não sou ‘eu’, é a coletividade, a representatividade diante da indústria da música”, diz ela, que, na entrevista a seguir, fala sobre essas e outras questões.
O que dizer deste carnaval, sem carnaval?
Temos que respeitar o que é mais urgente e valioso do que qualquer festa: a vida. É claro que o carnaval tem um lugar de referência na nossa cultura e na nossa arte. É um momento em que as pessoas relaxam após o ano todo de trabalho, e tem a questão da música, que é muito forte. Mas, antes de tudo, sou amante da vida. É claro que estamos todos mexidos por não ter carnaval, aquela aglomeração gostosa. Mas agora, infelizmente, nada disso é possível.
Não ter conseguido patrocínio para fazer uma live de carnaval, como Ivete Sangalo e Claudia Leitte, virou assunto. O que tem a dizer?
Não fui somente eu, não, mas a grande maioria dos artistas, principalmente os artistas negros. Agradeço a todas as manifestações, mas realmente vejo essa questão de uma maneira mais coletiva. Mariene de Castro? Márcia Short? Cadê os artistas negros? Cadê essa galera toda?
Então isso tem a ver com a questão racial?
Não sei se passa pela questão racial, mas, entre outros questionamentos, é algo para se pensar: por que uns conseguem mais coisas, e outros, não? Se a entrega, o resultado artístico é semelhante e de igual qualidade? Mas não sou de ficar reclamando e nem quero ir muito nessa direção porque fica parecendo que estou me queixando. Mas existe uma realidade neste país, que não podemos pegar e querer compartimentar: fulano teve isso, o outro, aquilo. É a própria visão social, como um todo, que precisa mudar. Precisa haver um equilíbrio nesse entendimento. Então, quando não há, as pessoas falam, questionam. Hoje estamos mais espertos e atentos para essas questões.
Ficou ressentida, então, por não fazer uma live?
Não fiquei ressentida, não pensei nisso, não. Mas o povo pede, meus fãs estavam se mobilizando nas redes sociais. Eu não sou uma pessoa chorosa com minha carreira. São 34 anos de estrada, sempre atuante, entre altos e baixos, claro, como todo mundo – mas sempre presente. Tenho meu selo, sempre me virei e fui à luta nas minhas coisas; assim, consigo minha sobrevivência. Mas eu não quero carregar isso sozinha, não — vivo num coletivo. Não sou “eu”, é a coletividade, a representatividade diante da indústria da música. Agora, deixo claro que a comparação partiu do povo, e acredito que tenha acontecido porque chamou a atenção da sociedade. Essa questão do racismo é uma realidade que existe e não prejudica só nós, pretos, mas o País todo.
Você sempre foi muito atuante na luta dos movimentos negros…
Quando falo da questão racial, é para termos um panorama mais amplo, um panorama real, porque existem muitas pessoas morrendo, miseráveis. O salário mínimo, diante da inflação do jeito que está, é um absurdo. Isso é um diálogo muito maior, não de uma ou outra pessoa, de cidadãos negros e não negros – é uma questão do País inteiro. Temos que parar de dividir as coisas através da cor da pele das pessoas. Ricos versus pobres? A coisa pode ser melhor compartilhada, e todo mundo viver bem neste país. Fica um negócio tão pequeno, sabe?!
Como tem sido a sua quarentena?
No começo, fiquei bem restrita; depois aderi ao movimento das lives e fiz umas três ou quatro no ano passado. E me dediquei mais às redes sociais. Fiz até uma pequena viagem no fim do ano. Mas, reconheço: é angustiante. Essa coisa de vou pegar, não vou pegar covid é muito ruim. Graças a Deus, até agora, eu não tive e espero que continue assim, mas pessoas muito próximas tiveram. Perdi alguns amigos também. Ainda estamos num quadro assustador, e não é hora de relaxar nos protocolos que já estamos cansados de saber. Mas é bom repetir: fique em casa, se tiver que sair, vá de máscara e álcool em gel a todo instante. A arte foi a minha grande válvula de escape na quarentena.
Na pandemia você estreou como atriz numa série. Como foi essa experiência?
Isso foi algo incrível que aconteceu, me tirou de casa porque gravamos em São Paulo. Isso me fez respirar no meio desta loucura toda. Protagonizei o seriado de streaming “Casa da Vó”, onde fiz a personagem Teresa, uma ex-funcionária pública bem-sucedida que mora no bairro paulistano Jabaquara. A equipe tinha quase 70 pessoas, a maioria negros, e grande parte profissionais de cinema. Isso deu ao projeto um primor técnico muito bacana.
Como está para vocês, artistas da Bahia, neste momento de não carnaval?
As pessoas estão muito sem esperança, principalmente aquelas que têm menos. Dentro do carnaval, tem uma estrutura de trabalho que gera renda para muitas pessoas, inúmeras famílias, desde o vendedor ambulante, passando por toda a indústria da cultura e arte que, no Brasil, reforço aqui, não é bem compreendida, não é bem usada e respeitada. Não está sendo fácil para ninguém. Eu mesma não posso reclamar: consegui fazer alguma coisa, mas, dentro da minha realidade, é muito pouco. Sorte que, no verão passado, trabalhei bastante, tive ótima performance. Minhas contas estão todas pagas; o que sinto é pelos amigos músicos, contrarregras e técnicos que têm sofrido bastante.
O que acha desse formato das lives? Veio para ficar?
O problema é que a gente não sabe até quando vai este momento que estamos vivendo, né? As lives já estão aí, fixadas. Esse modelo é viável e, com devidos ajustes, acho que veio para ficar. A tecnologia tem sido uma grande aliada. Eu tenho buscado correr atrás, usar a tecnologia e essas novas formas de contato com o público como aliadas do meu trabalho.
Qual a primeira coisa que você vai fazer logo no pós-covid?
Um show, com certeza. Cantar tudo o que não consegui cantar neste carnaval. Estou selecionando músicas, já pensando num projeto novo. A vida continua…
Por Acyr Méra Júnior
Foto: Fernando Torquatto