Se você não é frequentador de redes sociais ou viciado em videogames, pode até não entender o que são as “deepfakes”. Em tradução literal, significa “falsificação profunda”, uma técnica que usa a inteligência artificial (IA) para criar vídeos falsos, mas bem realistas, substituindo rostos em vídeos e imagens. Um mestre nas “deepfakes”, digamos assim, tem-se destacado na Internet: Bruno Sartori, 31 anos, jornalista e humorista, mineiro de Unaí.
Praticamente tudo que ele faz viraliza, como o vídeo “estrelado” por Bolsonaro e Lula com as falas afetadas “roubadas” das personagens da novela “A Usurpadora”. Por acaso, já chegou aí, no seu WhtasApp, o vídeo do presidente cantando “I Will Survive”, à la Gloria Gaynor? Pois é, também, uma paródia de Sartori, assim como outros tantos, não menos irresistíveis, que circulam na velocidade da luz.
Os políticos, naturalmente, são seus alvos preferidos. “Sempre que o Lula aparece nos vídeos, dá grande repercussão e compartilhamento; Sérgio Moro também é bastante popular. Acho que isso se deve por serem caricatos, com voz e jeito de falar bem específicos”, diz Bruno, que contou os bastidores dessa técnica, que tem sido muito falada nas telas mais atentas do País.
Como era sua vida antes de se tornar referência em “deepfake”?
Antes de fazer memes e deepfakes, eu trabalhava na minha cidade, Unaí, Minas Gerais, já com vídeos humorísticos, focado em política e nos políticos da minha região. Também escrevia para um jornal, o “Diário Unaiense”, e fazia o sexto período no curso de Direito. Daí larguei tudo para vir morar em São Paulo e trabalhar num programa de TV. Em 2017, eu descobri a tecnologia para fazer “deepfake” em um fórum americano, e logo percebi que ela seria de grande valia no meu trabalho, ficaria mais real. Então, passei a estudar e me aperfeiçoar.
O que é preciso para se tornar um “deepfake” de sucesso?
Não basta saber usar a tecnologia para criar um bom “deepfake”. Se você quer ter relevância, precisa fazer com que o conteúdo seja atraente; isso vem através da sua criatividade, dos seus roteiros. Hoje, já é possível criar “deepfake” até pelo celular, mas isso não basta para que o conteúdo viralize. Atualmente, minha maior dificuldade é com o meu equipamento: tenho um superequipamento de produção, bem caro, mas ainda não é o ideal. O maior dificultador, não só para mim, mas para quem quer trabalhar com isso, é o “hardware”. Mesmo sendo caro, o que tenho ainda produz um material de forma lenta.
Como fica a ética neste meio? Até onde ir e até onde não ir ao produzir um vídeo?
Procuro me pautar na legalidade quando o assunto é ética; baseado nisso, é que produzo o meu conteúdo. No entanto, a ética acaba sendo meio que variável, né?! Aqui, no Brasil, é ético comer carne de vaca, mas, na Índia, não – varia de pessoa pra pessoa. Eu busco sempre estar no limite da lei, não ultrapassar jamais o que temos no nosso ordenamento jurídico.
Já teve que tirar algum trabalho do ar?
Não, nunca tive que tirar nenhum “deepfake” do ar. Estão todos lá e, até quando envolve a questão de algum direito autoral dentro do Youtube, ele possibilita que a gente mantenha o conteúdo desde que a renda vá para os detentores dos direitos.
Por Bolsonaro ser seu alvo principal, imagino que deva receber muitas críticas dos apoiadores. Já sofreu ameaças, algo do tipo?
Muito. Já recebi ameaças de morte, de forma indireta e direta também: vingança pelo WhatsApp, já divulgaram meus endereços, de membros da minha família, meus telefones e já clonaram um dos meus cartões. São ameaças fortes, sérias, mas, quando foram divulgadas por mim e por outros veículos de comunicação, elas cessaram. Levamos para a Justiça, que identificou as pessoas, e elas estão respondendo judicialmente por isso.
Dá para ganhar muito dinheiro nesse meio?
Hoje, ainda não, mas é um mercado que, em poucos anos, vai se desenvolver bastante; com isso, os profissionais mais capacitados serão melhor remunerados. Então, é um futuro certo que, acredito, vai trazer grandes produções, tanto para entretenimento quanto para publicidade. E ainda vários outros tipos de conteúdo…
Como lida com o título de “Rei das deepfakes” no Brasil?
É uma grande responsabilidade ser uma referência na área onde se atua. Por isso, procuro ser uma referência positiva porque a tecnologia de “deepfake” pode ser usada tanto para o bem quanto para o mal. Então, preocupado com isso, tento me pautar sempre no lado positivo, além de conscientizar as pessoas.
Como é a sua criatividade?
Não gosto de me forçar a criar; prefiro observar o que está acontecendo, porque aí a ideia vem naturalmente. Então, meu grande processo é observar o cotidiano, as notícias. Dentro disso, automaticamente, eu acabo fazendo uma associação com alguma outra obra já existente, principalmente música. Daí, é só sentar e escrever alguma letra, o roteiro, e treinar os modelos para se criarem os rostos. Esse processo varia muito: às vezes, um vídeo simples leva 10 dias para ficar pronto, e um complexo demora entre três ou quatro dias ou, até mesmo, pronto em algumas horas.
Tirando o Bolsonaro, qual outro personagem rende?
Sempre que o Lula aparece nos vídeos, dá grande repercussão e compartilhamento. O Sérgio Moro também é um dos personagens de que as pessoas mais gostam, bastante popular. Acho que isso se deve por serem caricatos, terem voz e jeito de falar bem específicos. Tenho vários vídeos que são meu xodó; atualmente é um em que o Bolsonaro aparece cantando “I Will Survive”, de Gloria Gaynor, no qual ele canta sobre a derrota do Trump nas eleições.
O que diria a alguém que queira seguir nessa profissão?
Sempre tentar de novo, de novo e de novo. Seja como uma máquina mesmo, sempre tentando, com erros e acertos. Quanto mais a gente tenta, melhor a gente fica. Se o seu primeiro trabalho não ficar legal, faça outro e mais outro, e tantos outros necessários. Desistir, nunca!
Por Acyr Méra Júnior