Pois é. Você não quer nem saber de Copa Libertadores. Todo político virou “persona non grata”. Desistiu definitivamente da novela. Está aborrecido com a sua aposentadoria, que só acontecerá quando você tiver 200 anos. Não aguenta mais bater boca com os amigos no Whatsapp.
Mude de canal. Vai dar gargalhada, das boas, de dar asma. “Acabou o pó”, de Daniel Porto, é um mergulho no cotidiano do Brasil real, um texto que ultrapassa os clichês, as paródias, as receitas de comédia. Ao invés de ver a favela de jeep ou em novela, você é convidado, com tapete vermelho, pela mão, a percorrer e ficar de frente com a brilhante mediocridade da vida comum.
“Acabou o pó” já nos provoca desde a primeira cena: um homem vestido para lá de desleixado está polindo as unhas. Ouve-se outra voz masculina, com um sotaque feminino e, quando você acha que lá vem um texto gay, acontece o primeiro excelente impacto. Os atores Leo Campos e Alexandre Lino interpretam duas mulheres, Naná e Kelly, essas com quem nos encontramos no metrô, em nossos trabalhos, em nossas casas e com quem só trocamos palavras formais.
O autor, Daniel Porto, demonstra uma perícia incomum na manipulação das palavras, na criação de situações, no jogo dramatúrgico mesmo. Com apenas 23 anos, quando escreveu a peça, ele mesmo diz: “Aprendi muito através da observação da minha família, das famílias de meus amigos” – um voyeur privilegiado que nos traduz à perfeição o que vê.
É uma história sobre mulheres – traídas, renegadas, maltratadas, mulheres à margem dos selfies, esquecidas de sua feminilidade. Aí entra o enorme talento de Daniel Porto: viramos o vizinho da porta ao lado, que vê pela fresta a desgraça alheia, e se ri dela. No entanto, quando tudo acaba, dá um tempo e entende que a piada é apenas um jeito generoso de nos fazer ver a realidade – por mais cruel que seja.
Serviço:
9 de dezembro de 2020
19 h
Gratuito
https://www.youtube.com/c/ vemprafita