Para os apreciadores de livros de artes visuais, arquitetura, cinema e design, a Taschen é a Disney do mercado editorial, digamos assim. Nos 20 dos seus 40 anos de existência, comemorados em 2020, a editora alemã conta com um sotaque carioca: entre seus diretores executivos da área de Design e Cultura Pop, está Julius Wiedemann, um dos responsáveis pela boa fama por aqui.
Wiedemann já editou mais de 100 livros, que, juntos, venderam em volta 3 milhões de cópias no mundo todo, entre eles, sucessos, como “Information Graphics”, “Illustration Now!” e “Japanese Graphics Now!” — duvido que você não tenha um deles na sua mesa de centro.
Depois de 23 anos fora do País — entre passagens pelo Japão, onde conheceu Benedikt Taschen, sócio e fundador da editora; Inglaterra; e os últimos 13 morando na Alemanha —, Julius escolheu São Paulo, assim, definitivamente, até mesmo pelo casamento com a chef Morena Leite, do Capim Santo, e o nascimento da filha, Júlia, de 10 meses. Essa semana, a Taschen inaugurou sua primeira loja no País, com uma exposição dos títulos mais bem-sucedidos dentro do estúdio de design Mula Preta. Nas estantes, 500 títulos, incluindo 15 dos 40 da edição comemorativa — os outros 25 vão chegar até o próximo ano. E para 2021, uma biblioteca da Taschen na pousada Capim Santo, de Morena Leite, em Trancoso, na Bahia.
E outra: há dois anos, Julius é curador global da plataforma californiana de cursos Domestika, com mais de 10 milhões de usuários no mundo, e cresceu na pandemia. Atualmente são 15 cursos de “professores” brasileiros; os próximos da lista são Carlinhos Brown, Ronaldo Fraga e Bob Wolfenson.
E o formato dessa comemoração de 40 anos?
O Brasil foi o único lugar do mundo que teve uma celebração. Os planos foram todos alterados com a pandemia. Não dava para fazer festa, então pensamos numa exposição de livros, que foi até uma ideia do cenógrafo Luis Fronterotta (que fez o casamento do DJ Alok no Cristo Redentor), para as pessoas verem todas as edições juntas. A loja tem 500 títulos e é o primeiro lugar no País onde a pessoa entra e tem uma imersão na Taschen.
A sua frase no WhatsApp é “não existe genialidade sem obsessão”…
Gosto de frases. Minha mulher (Morena Leite) sempre relembra que, quando nos encontramos pela primeira vez, eu disse logo três: ‘Sonhar pequeno é ter pesadelo’, ‘não existe genialidade sem obsessão’ e ‘tesão é não ter plano B’. Quando eu entro num negócio, fico obcecado em fazê-lo bem, me aprofundar. No meio da pandemia, comecei a fazer ioga, a assistir a documentários sobre o tema, ler sobre o assunto todos os dias. O lance da obsessão é que você realmente se preocupa em extrair o máximo daquilo em que você está gastando seu tempo e energia. Eu costumo brincar que eu tenho uma grande doença: não consigo fazer nada de maneira superficial.
Quais são livros ou séries de mais sucesso no Brasil e exterior?
A Taschen sempre teve fases. Hoje, a área de fotografia é a grande estrela. A arquitetura está tendo um revival com essa coisa de repensar espaço urbano. Editei o catálogo da exposição do Rem Koolhaas (arquiteto e urbanista holandês), no Guggenheim (NY), no começo deste ano. Estou trabalhando também com o Jean Nouvel (arquiteto francês fundador do Syndicat de l’Architecture), com Norman Foster (arquiteto inglês conhecido pelo seu estilo ousado e pela preocupação com o meio ambiente) e Bjarke Ingels (arquiteto dinamarquês fundador do BIG, o escritório admirado por profissionais da área no mundo inteiro). Começamos a trabalhar num livro sobre Oscar Niemeyer, junto com Ciro Pirondi, diretor-executivo da Fundação Oscar Niemeyer, para o próximo ano. Queremos que seja a grande obra que o Niemeyer nunca teve, tanto visual quanto de importância arquitetônica e histórica.
Geralmente, se uma pessoa quer impressionar um “crush”, ela sempre coloca à mostra os títulos eróticos na mesa de centro. Eles têm muita saída?
São cinco da série “The Big Book” dedicados ao peito, bunda, perna, vagina e pênis. Mas, se você observar, eles são um grande tratado antropológico. Eles são eróticos, mas são mais que isso. Eles vendem bem, mas nunca foram os carros-chefes. Tem muito mais a ver com o ecletismo. Costumo dizer que somos a única editora no mundo que publica a Bíblia e os livros das bundas e pênis.
Houve uma mudança no consumo dos livros da editora?
A diversidade sempre foi o nosso motivo, desde que fazendo isso com respeito e rigor acadêmico. Nos primeiros 20 anos, os livros eram principalmente constituídos de imagens. Hoje, o trabalho é de 50% com imagens e 50% texto, que são fundamentais e dão longevidade à obra. Hoje, quando você vê uma imagem sem contexto, ela não significa mais nada. Para entender o contexto da imagem, tem que explicar, e o texto é fundamental; temos investido muito nisso. Nos últimos 10 anos, mudamos totalmente a maneira de fazer livros.
A Taschen sofreu na pandemia?
No comecinho tivemos um baque porque os produtos são mais elitizados. Mas o ano vai ser melhor do que imaginávamos, com uma pequena queda. A gente teve que fechar as lojas e concentrar no marketing online; hoje, você pode comprar direto do site e receber no Brasil. Aliás, o Brasil está sendo um case de expansão global. Acho que até pelas próprias dificuldades, o pensamento é que, se conseguiu fazer algo dar certo no Brasil, você consegue fazer em qualquer lugar. Não demitimos ninguém (aproximadamente 300 funcionários e mais de duas mil pessoas indiretas no mundo todo), colocamos todos em home office, mas logo isso se ajustou. Neste momento, estou editando livros nos EUA, Inglaterra, Japão, Alemanha, França e Espanha.
Depois de 23 anos longe do seu país, como você se sente: europeu, asiático ou carioca mesmo?
É uma excelente pergunta sem uma boa resposta. Nos últimos 10 anos, eu viajei entre 80 e 120 vezes por ano e, obviamente, meu escritório sempre foi hotel e avião; agora virou casa. Pensei que estava em crise, mas estou tendo um choque cultural (rsrsrs). O que me ajuda, ao ter morado em vários lugares, é que tenho algumas referências para poder comparar. Costumo ficar satisfeito onde estou e voltei para cá numa situação legal, podendo continuar minha conexão com os trabalhos fora do Brasil e, ao mesmo tempo, podendo conectar os trabalhos da Taschen, e Domestika com coisas que elas estão fazendo no país.
O que você mais odeia aqui e o que mais ama no Brasil?
É impossível ser pessimista por aqui, porque tem muita coisa pra fazer. Se quiser ser pessimista, vai para a Escandinávia, que já tem tudo pronto. A gente tem um problema onde as coisas são enterradas por várias questões burocráticas. A quantidade de obstáculo é uma trava. Tem um estudo do Banco Mundial que fala que o ganho de produtividade nos últimos 30 anos é mínimo. Você cresce, mas o seu custo cresce junto. É uma coisa que me irrita, mas tenho que aprender a conviver. Temos uma indisciplina natural, que é um problema. Gosto de estar aqui porque me sinto útil e com a esperança de poder contribuir mais aqui do que lá fora.
Como surgiu a Domestika e quais os planos?
Comecei fazendo consultoria há dois anos. Sempre tive fascinação por educação porque nunca terminei as duas faculdades que comecei, mas sempre fui obcecado em aprender. Atualmente estamos fazendo uma transição – não é a evolução da educação, mas a evolução do aprendizado, que é uma maneira mais informal de ensinar. Hoje, você pode se formar como programador, fotógrafo, ilustrador, tudo na Internet, é só descobrir um talento e ir atrás. Mas isso é uma lógica muito contraintuitiva da educação tradicional. A Domestika subverte isso. Você vai lá e faz o que quiser. O grande lance do século XXI são as possibilidades, e você não tem que aderir a um só modelo. A engenharia vertical, em que a pessoa estuda, trabalha e aposenta está mudando para a horizontal, que é aprender a vida inteira, trabalhar com um propósito e manter um estilo de vida. Temos mais de 10 milhões de seguidores no mundo todo, e o Brasil está no top 5 de importância de país. Tivemos uma boa andada na pandemia. Temos estúdios em São Paulo, Buenos Aires, Lima, Bogotá, Cidade do México, Santiago, dois em Nova York, dois em Londres, um prédio inteiro em Madri e, ano que vem, vamos abrir na França, Itália, Alemanha, Cingapura, Tóquio.
O que vai fazer de curso dentro do seu país para exportar a nossa cultura?
Uma lógica interessante é que, quanto mais conteúdo nacional, mais os brasileiros consomem e, consequentemente, estrangeiros também. Temos 15 cursos em português e brasileiro que vendem 40% fora do Brasil. Vamos ter cursos de percussão com Carlinhos Brown, moda com Ronaldo Fraga, fotografia com Bob Wolfenson, ilustração com Isadora Zeferino, entre outros nomes. A divulgação deles vai ser em 40 países com legendas em três idiomas, ou seja, queremos criar a primeira plataforma em áreas criativas genuinamente global e estamos chegando lá; já temos professores em mais de 30 países e, para o ano que vem , pretendemos chegar a 100. O meu trabalho é encontrar talentos.
Morena não vai dar uma aula de culinária?
Estamos trabalhando nisso (rsrsrs).
Já está adaptado a São Paulo?
Já fui pra tanto lugar, mas sou brasileiro e agora, com uma filha de 10 meses (Júlia), a gente tem que se adaptar. Estamos muito felizes; essa coisa da pandemia foi boa porque podemos ficar com ela integralmente sem ajuda, sem babá. O que eu fiz de videoconferência com ela no colo não está no gibi. Foi o máximo. [