No Estado do Rio, o número de infectados e mortos pela Covd-19 é um dos mais altos do País. Essa triste contabilidade é fruto da trágica situação política em que nos encontramos: cinco governadores já foram presos e o atual foi afastado e substituído pelo vice, que é alvo de investigações.
O prefeito da capital fluminense acaba de ser condenado pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE). Temos uma administração municipal que discrimina a população por seu credo religioso e contrata jagunços com dinheiro público para intimidar os jornalistas e os cidadãos à porta dos hospitais. Diante disso, lembro-me do meu saudoso avô Leonel de Moura Brizola (1922-2004) e penso: “O que será que ele, diria?”. Em 2020, completam 16 anos que ele nos deixou. Trabalhei com meu avô, dos 17 aos 24 anos, em seu escritório de Copacabana. Foi um período de muito aprendizado.
Poderíamos contar toda a história do Brasil através de suas frases. Quem não se lembra do “Filhote da ditadura?” — disse para o então candidato Paulo Maluf durante um debate da primeira eleição presidencial, depois da ditadura militar, em 1989. Portanto, neste momento terrível pelo qual estamos passando, de grave crise e devastação de nosso meio ambiente, fico imaginando o que diria o meu avô Brizola?
A sua fala carregada pelo sotaque do Sul, o sorriso franco, as passadas largas e quase sempre de camisa azul e, no bolso esquerdo, uma caneta, um lápis — “Coisas de engenheiro!”, dizia. Não estando aqui para falar em seu nome, posso dizer uma de suas frases cheias de simbolismo: “Estou pensando em criar um vergonhódromo para políticos sem vergonha, que, ao verem a chance de chegar ao poder, esquecem os compromissos com o povo”. Não tenho dúvidas de que ele se indignaria contra a subserviência do governo brasileiro, em relação aos Estados Unidos do presidente Donald Trump.
A “Cidade Maravilhosa, a segunda maior do País, é hoje dominada por grupos, na maioria de policiais, ex-policiais, milicianos “made in Rio” e agentes prisionais. O Rio de Janeiro do fundamentalismo religioso e da violência. O que estamos assistindo no Rio é a construção de um projeto político de poder nacional que está a serviço do crime, do autoritarismo, da intolerância, do ódio, das fakes news e da fé subordinada ao dinheiro, o deus dízimo, o deus grana.
Meu avô antecipou tudo isso ao atacar os líderes evangélicos, no ano 2000, com a frase: “Esse pastores querem é estação de rádio e dinheiro. São adoradores dos bezerros de ouro.” Nesse mesmo ano, ele denunciou o político Eduardo Cunha: “Veja este problema, com tantas denúncias e reclamações, talvez seja a pior parte do governo.” (Referindo-se ao Eduardo Cunha, então presidente da Companhia Estadual de Habitação (CEHAB), no abaixo-assinado que organizou pedindo o seu afastamento devido à má gestão de um dos maiores orçamentos do governo fluminense.
É possível vislumbrar nele as várias faces de um mesmo homem: coerente, honesto, nacionalista, para alguns; para outros, radical, populista, caudilho no sentido pejorativo. Mas todos têm que concordar que nenhum político brasileiro fez tanto pela educação pública integral de qualidade e pelas crianças.
A educação sempre foi considerada política de Estado tanto quanto prefeito de Porto Alegre como governador. Bebamos em uma de suas famosas frases: “Eu me considero a pessoa que, no mundo, mais fez escolas. Só no Rio Grande do Sul, fiz 6.200”, e foi em uma dessas escolas que estudou o jornalista Caco Barcellos.
Quando alguém questionava que as escolas eram caras, ele não desistia: “Cara é a ignorância”. E insistia: “Direitos iguais para todos, privilégios só para as crianças”. Sobre o projeto educacional que criou junto com o professor Darcy Ribeiro e o arquiteto Oscar Niemeyer, dizia: “Dos CIEPS hão de sair aqueles homens e mulheres que irão fazer pelo povo brasileiro tudo aquilo que nós não conseguimos ou não tivemos coragem de fazer”, e “Eu imagino para o meu país através da educação, da assistência materna e infantil, um salto pra o futuro do povo brasileiro.”
Enquanto o atual presidente e seus filhos falam grosserias sobre os seus adversários nas redes sociais, o meu avô Brizola definia o seu então inimigo, o empresário Roberto Marinho, com declarações espirituosas: “Ele é uma espécie de Stalin das comunicações em nosso país. Quem não concorda com ele, ele manda para a Sibéria, a Sibéria do gelo, a Sibéria do esquecimento.” (depoimento no documentário “Muito Além do Cidadão Kane”).
Falar do meu avô Brizola é também falar de liberdade de expressão. Prova disso é que ele gostava de se relacionar com os repórteres e sobre eles dizia que “era muito importante o diálogo com os jornalistas, cujo papel não podia ser confundido com o dos patrões” e “uma nação se expressa pela pena de seus jornalistas, não importa que, por vezes, tenha de se buscar nas entrelinhas esta expressão”.
Leonel Brizola Neto é vereador e presidente da Comissão de Direito da Criança e do Adolescente na Câmara do Rio.