Faz 58 anos, desde que o casal Lucy e Luiz Carlos Barreto, o Barretão, fundou a produtora de cinema L.C. Barreto numa casa onde moravam, na Rua Dezenove de Fevereiro, em Botafogo, junto com o Cinema Novo.
Desde então, foram quase 100 filmes de vários gêneros, produzidos e coproduzidos, entre curtas, médias, longas-metragens e documentários – alguns deles, considerados obras fundamentais da cinematografia brasileira e latino-americana, como os candidatos a Melhor Filme Estrangeiro no Oscar, como “O Quatrilho” (1996), de Fábio Barreto (1957-2019), e “O que é isso, companheiro?” (1998), de Bruno Barreto.
Só faltava um gênero: animação. Resolvido! Apaixonada e sempre envolvida com o meio ambiente, Lucy aproveitou a pandemia para tocar o projeto da Amazonika SA, presidido pela filha Paula (produtora de animação), com previsão de lançamento de filmes, séries e até parque temático, tudo relacionado ao ecossistema da Amazônia.
O projeto está a toda, já com pesquisas de campo — antropológica e arqueológica prontíssimas — e, agora, em fase de desenvolvimento do argumento. Vai contar com dois grandes nomes do gênero: o cineasta Carlos Saldanha (“Era do Gelo” e “Rio”), que vai ser consultor, e o quadrinista e artista Rafael Grampá, que vai desenvolver os personagens, ambientação e tudo o mais da história. Ou seja, isso de trabalhar menos com a pandemia não é com ela.
[top5] numero:1 [f] titulo:Como foi criada a Amazonika SA? [f]
desc: Sempre fomos preocupados com o meio ambiente. Entrar para a animação é uma ideia antiga da L.C. Barreto, e tudo na Amazônia leva até isso: as lendas, os animais, a fauna, a flora. Com a pandemia, tivemos oportunidade de nos concentrar no projeto. Temos como consultor o Carlos Saldanha e, como parceiro, o grande desenhista e animador Rafael Grampá e sua equipe. Agora, por exemplo, estamos num processo de roteirizar a história, depois de um trabalho ao longo de dois anos, atualmente, em fase de captação de recursos. Se alguém quiser ajudar na questão da Amazônia através do audiovisual essa é a oportunidade. Muita gente não sabe que pode contribuir financeiramente, pessoas físicas, e ter abatimento no Imposto de Renda! Esse é o momento. [/top5]
[top5] numero:2 [f] titulo: Algum receio em lançar um produto novo no pós-pandemia? [f]
desc: A LC Barreto está entrando nesse segmento pela primeira vez. Dá um frio na barriga, mas um prazer muito grande porque sempre fui muito ligada ao meio ambiente. Fiz alguns média-metragens sobre o assunto, educação indígena, em que estivemos no Xingu, com cinco etnias; depois fomos para o Acre, onde estivemos com os Ashaninka, próximo à Bolívia, e um grupo de índios de Minas Gerais. Isso foi sempre uma paixão minha. [/top5]
[top5] numero:3 [f] titulo:E como tem visto a situação atual da Amazônia e Pantanal com as queimadas e desmatamento? Qual a importância do projeto nesse sentido? [f]
desc:Isso é uma tristeza, Deus me livre! Nunca pensei que a gente chegaria a esse ponto. Não só o Pantanal como também a Região Amazônica, que está devastada. Está mais do que na hora de a gente fazer algo com a nossa floresta. Achamos que esse projeto pode vir a sensibilizar as pessoas. Estamos chegando a um momento nevrálgico. Mais do que nunca, é um projeto atual e necessário porque sabemos que a floresta já não está absorvendo o carbono como normalmente faz por causa da devastação. É um momento para protestar; não podemos deixar passar mais tempo. [/top5]
[top5] numero:4 [f] titulo: E qual o primeiro produto? [f]
desc: O filme de animação em 3D Amazonika, pegando os primórdios da floresta Amazônica, desde a separação da América do Sul da África. Não posso falar muito, mas existe uma menininha chamada Nika, de 6 anos, e um menininho chamado Zô, ou seja, Amazonika. Ela é danada, guerreira, e ele, mais sonhador, muito ligado à floresta. É um filme para toda a família. [/top5]
[top5] numero:5 [f] titulo: Vai ter desdobramentos? [f]
desc:A proposta é termos uma sequência de filmes, além de uma série, por enquanto, com seis capítulos. Vamos fazer também um parque de diversões com as atrações da Amazônia, toda a cultura indígena, a flora, fauna, lendas… A gente pensou em localizar no Rio, porque entramos em sociedade com a Pro-Natura International (ONG de proteção ambiental fundada no Brasil em 1985, sediada no Rio e em Paris, atualmente em mais de 35 países), que tem um terreno na Floresta da Tijuca, mas ainda não é uma ideia definida. Poderia, por exemplo, também ser criado em São Paulo. [/top5]
[top5] numero:6 [f] titulo: Vocês já passaram por vários governos, modismos, estilos… Fala da fase atual da cultura [f]
desc:Eu tenho 87 anos, sou de 1933. Vivi muito bem, passei um tempo na Europa, nos anos 1950, estudando música, mas, nos anos 1960, eu estava já casada com o Luiz Carlos, numa casa onde tivemos o Cinema Novo, em Botafogo. Em seguida, veio a Ditadura e, paradoxalmente, tivemos uma coisa que foi muito interessante: o ministro do planejamento, João Paulo dos Reis Velloso, do governo Geisel, criou a chamada Condecine (Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional). Era um pedágio que as empresas do setor cinematográfico ganhavam para estimular o desenvolvimento do cinema brasileiro. Vivi também a era Collor, que acabou com a Embrafilme (Empresa Brasileira de Filmes S.A.)… Nossa Senhora! Mas nada está tão difícil como agora. É um ‘point of no return’ (‘caminho sem volta’), se bem que eu gosto dessas coisas, desses desafios. Eu acho que é nesses momentos que você tem que colocar tudo de cabeça para baixo e começar de novo. A Ancine está paralisada, e a atividade como um todo está parada, mesmo antes da pandemia. [/top5]
[top5] numero:7 [f] titulo: Você se considera uma precursora, sendo uma das poucas mulheres da sua geração ainda em atividade na profissão. E qual a maior dificuldade na área? [f]
desc:Precursora não, porque tem muito cinema brasileiro antes de nós, mas eu diria que somos, segundo nossos amigos americanos e europeus, dinossauros. O cinema é uma atividade de risco, e a maior parte dos produtores do mundo abre uma empresa para produzir apenas um filme, e depois fecha. Não existem mais grandes produtores. Você tem que fazer um ótimo filme, e ele tem que atrair a atenção do público; então é um jogo de pôquer. Podemos fazer um filme lindo, mas, naquele momento, ninguém quer assistir. Isso é muito difícil. Por isso, eles dizem que somos dinossauros, porque já produzimos mais de 100 filmes desde 22 de setembro de 1962, uma loucura, e ainda estamos ativos. [/top5]
[top5] numero:8 [f] titulo:Vai ter algum tipo de comemoração dos quase 60 anos? [f]
desc: Era para ser este ano, mas, com a pandemia, os planos foram adiados para 2021. No entanto, já estavam planejando uma retrospectiva nossa no MoMA, em Nova York, e outra na cinemateca francesa. Espero estar viva até lá (risos); a cabecinha está boa. Eu não sou uma pessoa deprimida, não, graças a Deus! Sou otimista e, quando algo não dá certo, coloco de cabeça pra baixo e começo de novo. Gostamos sempre de ter gente jovem por perto. Eu tinha o que eles chamavam de ‘jardim de infância da Lucy’, nos anos 1970, porque não existia a disciplina de cinema nas universidades, e os filhos das minhas amigas começaram a fazer cinema comigo: o Bruno Wainer (da produtora Downtown, filho de Danuza Leão e Samuel Wainer), o Paulinho Callado (filho de Antônio Callado, autor de “Quarup”), muita gente. [/top5]
[top5] numero:9 [f] titulo:E a cultura na pandemia? [f]
desc: Tenho certeza de que o povo, em geral, sabe da importância da cultura — privilegia e comparece. Nunca deixamos de ter público para tudo: cinema, teatro, shows, concertos, museus, galerias de arte. Não dou muita importância a ações contra do Governo porque essas crises, que são terríveis, passam, porque a cultura é a identidade de um povo, é o espelho. Essas pessoas passam, e a cultura fica. [/top5]
[top5] numero:10 [f] titulo: Como anda a quarentena? [f]
desc: Vou dizer a você que é um absurdo, mas, na quarentena, eu e Luiz Carlos estamos trabalhando mais do que nunca. É impressionante. Estamos com muitos projetos. É um momento em que não se fica tão absorvido por coisas sem importância; fica-se mais retirado, então você pode se concentrar um pouco mais nos projetos. Eu sou asmática, verdadeiramente no grupo de risco. Estou em casa, desde o dia 16 de março; não vamos nem ao hall do elevador, mas moramos no Parque Guinle, com vista para a Baía de Guanabara, Pão de Açúcar, Corcovado e a mata. Então estamos com muito oxigênio e sol, mas muita saudade da família, dos amigos, porém não podemos abrir mão da proteção. E como já falei, a primeira coisa que faço é agradecer por estar viva. [/top5]