As noites andam agitadas no Rio e em São Paulo, em lugares de alto consumo e divertimento da classe média e da elite. Se, na sexta- feira à noite, o bafafá girou em torno de um cliente que acreditava ser mal atendido e provocou uma verdadeira balbúrdia no restaurante Gero de SP, frequentado por todos os que se diziam “de berço” e “com educação norte-americana e europeia”, em contrapartida, no sábado à noite, a cena inesperada do bafafá culminou em ato de violência, com garrafinhas de água atiradas sobre as pessoas e com agressões físicas que culminaram em biquínis arrancados à força.
Pobre elite brasileira, que passa a ato de forma intempestiva e está, no momento, com pequena capacidade de dialogar diante dos infortúnios. Não vou entrar agora no mérito das diversas particularidades das duas situações-limite, porque alongaria muito este texto, mas destacar apenas o que de mais importante essas cenas revelam.
O que está aqui em pauta é a insegurança geral das pessoas, no contexto da pandemia prolongada e dos processos discutíveis de flexibilização adotados pelos governantes brasileiros, de forma que o medo da morte está à flor da pele e se expressa de forma eloquente pela violência nua e crua.
É claro que o discurso governamental de autorização da violência — de múltiplas formas — é o gatilho soberano que facilita a circulação de atos marcados pelo ódio e pelo exibicionismo. É essa tensão, em alta temperatura, que está explodindo como faísca por todos os poros do corpo.
É óbvio, mas devo infelizmente evocar que a pandemia não acabou, como disse ingenuamente uma das participantes do tumulto carioca. Não estamos na pós-pandemia, tampouco na segunda onda, como na Europa, mas em plena primeira onda. Contudo, é bem mais difícil viver na flexibilização do que na quarentena, pois escolha e opção do que podemos fazer passa a ser exclusivamente nossa, na evidente incompetência de nossos governantes de nos protegerem do que há de fatal na pandemia.
É preciso afirmar que nunca tivemos governo federal que nos desse as diretrizes e a orientação cientificamente correta sobre o que deveríamos fazer, de forma que, desde março, vivemos num desamparo abissal, quando não, num desalento, que perturbam nossos corações e tripas, conduzindo-nos inevitavelmente para ações violentas como as brigas recentes. Portanto, não caiam nessa esparrela, pois o que está em jogo é sua vida!
Joel Birman é médico, psicanalista, professor da UFRJ, membro do Espaço Brasileiro de Psicanálise. Tem vários livros publicados no Brasil e no exterior e foi vencedor de três prêmios Jabuti.
Foto: Rodrigo Cancela