Vivi dois lados da Covid: tanto tive a doença, logo no começo, quanto tive alguém que amo, com a mesma infecção, internado no CTI. De mim, posso dizer que passar mais de 50 dias sem ir ao portão da minha casa me trouxe muitos aprendizados: aprendi a silenciar, aprendi a escutar mais Deus, aprendi também que esta vida muito intensa não leva a nada. Agora fico muito mais tempo com o celular desligado, o que nunca acontecia antes.
O momento é de mudança e de reflexão. Minha conexão agora é mais interior, mas, nesse tempo de isolamento, percebi, sobretudo, a consciência da nossa fragilidade. Passar pelo que passei me deixou muito mais emotiva que antes. O outro ângulo da Covid foi ter meu pai internado no centro de tratamento intensivo do Albert Einstein, em São Paulo, em estado grave, aos 89 anos (ele faz 90 em agosto).
Tenho mais pavor de perder alguém amado do que até mesmo se for comigo. Foi um milagre ele ter sobrevivido. A primeira vez que saí foi para ir ao seu encontro; estava sem vê-lo há quase três meses. Acho até que meu sofrimento maior era mais por estar longe dele, acompanhando tudo à distância.
De repente, ainda fragilizada nesse pós-coronavírus, me vi no aeroporto Santos Dumont, à noite, com o emocional abalado, mas consegui embarcar, apesar de me sentir com um tipo de medo que eu nunca tinha sentido antes. Na ponte aérea, rezei o terço inteiro, o que me deu forças para desembarcar e encontrar minha mãe, Maricy — uma fortaleza humana.
Foi ela quem me passou o valor da fé. Quando meu pai olhou pra mim e falou meu nome, foi uma emoção indescritível. De repente, eu estava pedindo misericórdia, pedindo a Deus que tire essa pandemia do mundo. Com tudo que estamos passando, posso afirmar que não podemos deixar a tristeza nos dominar, nem mesmo nas mais difíceis situações, apesar de toda essa vulnerabilidade que se apresenta. Sempre passo para as amigas o Eclesiástico 30: “A alegria do homem torna mais longa a sua vida. Tem compaixão de tua alma, torna-te agradável a Deus, e sê firme; concentra teu coração na santidade, e afasta a tristeza para longe de ti, pois a tristeza matou a muitos, e não há nela utilidade alguma.” Esse sentimento não pode faltar.
Finalizo dizendo que a esperança na vida e na intersecção de Nossa Senhora, a gente não pode perder.
Glória Severiano Ribeiro é catequista no Espaço Santa Terezinha (na Gávea), mãe de família, dedicada à caridade. Foto: Denise Leão.