Meu amado professor,
ele me ensinou a atravessar a rua, ralhou comigo. Assim começou. Na sexta (05/06) ele partiu. Na bagagem, muitos sonhos, a enorme capacidade de pensar soluções engenhosas, de vibrar com as descobertas, de animar a torcida. Muitos têm dito, ele era um generoso entusiasta. Nesses dias, com muita emoção vimos a sua vida ser celebrada por muitos brasileiros que o admiravam e amavam. Foram centenas de mensagens, homenagens grandiloquentes e suspiros tímidos. A família se revelou enorme e diversa, como ele sempre gostou. Há tempos, aprendemos que o pai público é maior. Ele se multiplicou, se tornou plural, deu frutos. Com extraordinária empatia, ele transitou entre notáveis e populares, e ensinou que a elite brasileira falhava em não cumprir o primordial papel de cuidar de seu povo.
Aos vinte e poucos anos de idade, começou a brilhar. Fez parte de uma constelação de economistas, como Maria da Conceição Tavares, desenvolvimentistas inspirados pelo grande Celso Furtado, que pensaram um Brasil maiúsculo, em que seus filhos tenham a oportunidade de expressar livremente seus ideais e não enfrentar limites para suas realizações.
Sonhou, lutou, militou por um país desenvolvido em todas as áreas do conhecimento para oferecer a oportunidade de trilharem o caminho escolhido. Para ele, a Economia foi criada para servir ao povo, não o contrário.
Com o tempo, o seu discurso tornou-se mais acessível. O seu amor pela cultura aflorou. Ao coordenar o Plano Estratégico do Rio de Janeiro, cidade que tanto amou, mobilizou personalidades diversas, da moda, da noite, da gastronomia, do marketing. O Plano ocupava as manchetes. O seu universo se expandiu.
Interagia com todos. Na UFRJ, removeu as portas de aço da Reitoria… No BNDES, em dois momentos, deixou a sua marca, realizações e resultados. Vivia cercado de jovens, de idosos, de eruditos e do povo. Como poucos, conheceu e amou este país. Nunca fugiu da luta. Adorava a controvérsia e não perdia a oportunidade de agregar um comentário. Há pouco mais de duas décadas, o Professor se despedia na UFRJ, de turmas aos prantos. Eles temiam que ele não voltasse. Os médicos sentenciaram que ele sobreviveria por poucos meses. Ele continuou na luta, por mais 25 anos, formando seguidores e vendo seus netos crescerem. E sorriu.
E assim foi, por onde passava, criava vínculos e compartilhava conhecimento. Foram centenas de conferências, palestras, campanhas, reuniões. De domingo a domingo, ele não parava. Os últimos meses foram difíceis. Ele foi o mais simpático dos pacientes. Sempre curioso, aos 83 anos continuava jovem. Lia os jornais. Descobriu os blogs.
Foi então que a pandemia chegou. Vivenciando o drama compartilhado pelos noticiários, a cada dia uma nova ameaça, novos protocolos e cuidados mais assertivos. Mas, a despeito de todos os cuidados, orações e amuletos, o Covid venceu. Um, dentre tantos, que comprovam que o isolamento vertical não funciona. Há semanas, meu sogro partiu; poucos dias depois, meu pai estava contaminado. Como 10 das pessoas que frequentaram a casa testaram negativo, podemos concluir que o vírus foi transmitido pelos profissionais de saúde, vinculados ao homecare. Agora ele foi descansar.
Parece implausível ele partir neste momento em que o mundo — e destacadamente o nosso país — encontra-se em convulsão, de tantos conflitos, de abusos, de escassez, de mesquinharia, de desrespeito aos Direitos Humanos, de violência e ignorância.
Ele fará muita falta. Os telefonemas vão diminuir, incontáveis amigos e jornalistas que perderam a fonte. Orfandade coletiva. Teremos que recorrer ao banco das memórias.
Quanto ao “Lessa”, ao Carlos, ao Professor, ao mestre e amigo, desejo que volte ao colo da sua adorada mãe, mate as saudades das tias, conte as novidades ao Pai. Que leve consigo as melhores memórias dos momentos que testemunhou. Siga acompanhando e nos orientando nos momentos de aflição e em todos de regozijo.
Siga em paz, em festa e em glória, meu pai. Siga para a vida eterna e não se esqueça de iluminar os caminhos dos que ficaram. E saiba que o orgulho de carregar o seu nome e as suas ideias nos regenera.
Pedro Lessa é Comunicador Visual. Foi diretor do Marré de Si “uma fábrica de sabores e saberes”; Coordenador do Escritório da UNESCO no Rio; ocupou cargos no Governo do Estado e na Prefeitura cariocas; e dirigiu o Arte do Verve, um jornal de literatura e arte.