Nunca fez sentido hospital de campanha numa cidade como o Rio. Logo no início, a Prefeitura e o Governo do Estado fizeram direito: transformaram o Hospital do Cérebro em um hospital da Covid, já que as cirurgias eletivas estavam suspensas, e pegaram o hospital de Acari, o Ronaldo Gazolla, e também fizeram dali um hospital para a Covid. O problema foi que, em algum momento, passou na cabeça do governador Witzel e na do prefeito Crivella que hospital de campanha era bom para tirar foto e ótimo para aparecer, já pensando numa outra campanha, a eleitoral.
E aí eles resolveram montar esses hospitais, principalmente o do RioCentro, o maior de todos, e tentaram transformar isso, como disse, numa campanha eleitoral. Esse do RioCentro, onde o Crivella prometeu abrir 500 leitos, o máximo que ocupou foram 113; atualmente, tem 82 pacientes internados lá, e já custou mais de R$ 100 milhões aos cofres da Prefeitura. Em compensação, no Ronaldo Gazolla, tinha promessa de abrir todos os leitos para a Covid; só que isso não aconteceu. Hoje tem 170 leitos ainda fechados, ou seja, sem pacientes, por falta de insumos e de recursos humanos, de contratar pessoal. Então era muito melhor ter contratado profissionais e comprado insumos para o Ronaldo Gazolla (o metrô sai dentro do hospital, é superfácil o acesso) do que construir um hospital de campanha milionário no RioCentro, sendo que nem abrir esses leitos a Prefeitura conseguiu.
No final do mês de maio, começou a ter uma queda bastante expressiva de solicitações de internação por pacientes de Covid, e desde o dia 12 de junho, não há mais nenhuma pessoa esperando leito de Covid na cidade. Atualmente, temos 1.265 pacientes internados em toda a rede, com algum sintoma de Covid, com suspeita ou diagnóstico confirmado, mas já tem três semanas que esse número de casos vem caindo para 50 pacientes internados por dia, em média. Então, em 26 dias, se essa queda se mantiver, praticamente a gente não vai ter pacientes internados por coronavírus na rede.
Sobre a taxa de ocupação dos hospitais de campanha, mostrando que dos 500 leitos que o Crivella prometeu, em uma atualização mais recente, de hoje (22/06), tem 71 pacientes lá, não 86, já diminuiu, ou seja, 14% só do hospital estão ocupados. No hospital de campanha do Maracanã, tem 49 pacientes dos 400 prometidos; do Leblon, 115 dos 220 prometidos; do Parque dos Atletas, tem 39 dos 200 prometidos. Os que tiveram melhor desempenho foram os dois hospitais administrados pela iniciativa privada, mas que também não havia necessidade de ser construídos — era muito melhor que fossem utilizados os leitos do Hospital da Lagoa ou do Hospital dos Servidores, ou terem utilizado os que estão impedidos no Hospital Geral de Bonsucesso.
Só para você ter uma ideia, no Hospital Geral de Bonsucesso, que tinha sido escolhido pela rede federal para atender ao Covid, a taxa de ocupação é de 36%, tendo 143 leitos impedidos por falta de médico, com 87 leitos livres para Covid 19 sem serem preenchidos. Se a gente pegar os dois hospitais universitários mais próximos do Maracanã — o Pedro Ernesto e o Gaffrée e Guinle -, você vê que, no Gaffrée, têm 86 leitos impedidos por falta de recursos humanos e de insumos básicos. No Pedro Ernesto, tem 126 leitos livres hoje, que poderiam ser usados para receber esses pacientes. Só esses dois já dariam conta dos 40 e poucos pacientes que estão internados no Hospital de Campanha do Maracanã, sem ter necessidade de gastar aquele absurdo que gastou para fazer a obra. Como médico sanitarista, analisando os dados todos, sem exceção,
avisei aqui, desde o início da pandemia, que não abrissem hospitais de campanha sem antes utilizarem os leitos dos hospitais existentes na rede.
Sabemos das dificuldades financeiras do município e do nosso estado; então não faz sentido algum investir tanto dinheiro em estruturas temporárias que não deixarão legado algum. Tanto o prefeito como o governador tomaram decisões sem nenhum estudo técnico que respaldasse essa abertura dos hospitais. Todos os cientistas, parte dos comitês, avisaram que não ficariam prontos a tempo. Essa é minha maior indignação.
Daniel Soranz é médico sanitarista, mestre em Políticas Públicas de Saúde e doutor em Epidemiologia. Foi Secretário Municipal de Saúde na gestão Eduardo Paes, de 2014 a 2016, quando idealizou as Clínicas da Família e conduziu a organização da rede durante os jogos olímpicos e na epidemia de H1N1, em 2009, pela Prefeitura. Atualmente é professor pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz e coordenador do laboratório de inovação à atenção primária.