Tanta gente me pergunta, o tempo todo, o que meu marido diria sobre o momento que estamos vivendo… Se ele seria a favor do isolamento e por quanto tempo, qual diretriz adotar na saúde e o que estaria dizendo sobre a postura e as atitudes dos nossos governantes.
Sem modéstia, digo que parte da genialidade dele residia no inesperado, no fato de que, muitas vezes, o que pensava e dizia era novo até pra ele, mas sempre seguindo uma única lógica e firme propósito de ajudar o próximo, de defender e lutar principalmente por quem realmente não tem nem nunca teve voz, ou recursos, e muito menos padrinho. Cobrar e exigir das autoridades era, sim, uma parte vital da missão dele, mas estava longe de ser a única.
A caixa de entrada do e-mail dele sempre foi um buraco sem fundo de pedidos de ajuda. Houve época em que eu tentei ajudá-lo, lendo essas mensagens para responder, mas desisti porque ele não aceitava respostas-padrão, o que tornava a tarefa humanamente impossível de ser concluída sem a sua participação.
Eu sempre fazia piada quando ele chegava todo feliz, invariavelmente atrasado, dizendo: “Estava enrolado, mas consegui responder a todos os meus e-mails e SMS” (ele não tinha WhatsApp). Minha reação, não como crítica mas como tentativa de mostrar que as demandas de fora não podiam privá-lo do convívio com nossas duas filhas, era sempre a mesma: “Até daqui a meia-hora, quando lotar de novo.” Nosso eterno cabo-de-guerra era, da parte dele, para exercer sua grande alegria de fazer a diferença na vida das pessoas e, da minha parte, para que ele não deixasse o trabalho impedir que fosse sempre presente no dia a dia das meninas, já que se ressentia de não ter visto os filhos mais velhos crescerem. Apesar de me dar uma ‘canseira’ nesse sentido, em geral ele ‘me obedecia’, porque sabia a importância disso e tinha noção da mudança que essa vida familiar feliz operou, pra melhor, na sua vida.
Então mais do que deduzir quais seriam suas palavras diante de tudo que estamos vivendo, garanto que ele não se ateria às críticas e divulgação e análise de números e estatísticas. Tenho certeza de que colocaria em destaque a vida humana e abraçaria pessoalmente cada pedido de socorro que chegasse.
Ele incentivaria quem não perdeu nem diminuiu sua renda a continuar dando a mão para cada prestador de serviço, cada pequeno negócio, cada prejudicado pela pandemia, e me faria agir exatamente assim, na nossa vida pessoal, com todos que nos cercam.
Cuidar da própria família e ajudar os outros, arrisco-me a dizer que ele diria que é o melhor que podemos fazer não só neste momento como também sempre: quem pode mais e precisa menos ajuda quem pouco tem e quase nada pode. Digo isso mesmo correndo o risco de ele vir puxar meu pé à noite, já que era imprevisível.
Ah! E claro – mesmo não contando com nada vindo dos nossos políticos, ele estaria descendo o sarrafo na ineficácia e no egocentrismo deles, mas não estaria surpreso com tanta trapalhada.
Veruska Seibel Boechat, jornalista, colunista do programa “Aqui na Band”, vive em São Paulo. É mãe de uma pré e uma adolescente e, desde fevereiro de 2019, viúva de Ricardo Boechat, “melhor marido e jornalista que já existiu”.