Atuo no setor cultural, que está vivendo um grave momento de refluxo com a suspensão de suas atividades. Neste futuro imprevisível que nos ronda, como imaginar o retorno às atividades no campo da arte? Essa erosão do cotidiano nos direciona para uma escalada de incertezas e de fraturas numéricas, que dificulta o entendimento da magnitude dessa reviravolta após a crise do Covid-9.
Atenta às recomendações dos cientistas e infectologistas, estou exemplarmente confinada na minha casa, há mais de 50 dias. Enfrentei bravamente uma pneumonia, muito bem amparada pelos médicos, mas esse episódio não gerou nenhum tipo de pausa nas minhas novas atividades. Esta semana, aconteceu o inédito lançamento online do extraordinário livro “Brasileiros”, coletânea organizada por José Roberto Castro Neves, da qual participo com um texto sobre Lygia Clark.
O lançamento foi acompanhado de vídeos exclusivos dos autores falando sobre seus personagens biografados. Ficou evidente que as plataformas digitais são agora um poderoso instrumental para viabilizar projetos, e as lives se multiplicaram. Mas como será a nova configuração do mundo pós-pandemia? Tudo vai passar por uma radical transformação, exigindo muita coragem, ousadia e confiança. Só não podemos “estar de costas para o Brasil”, apesar das controvérsias. O que nos espera é um futuro incerto?
Experimentamos agora um certo desencanto, e não é fácil viver em um universo paralelo; o mundo parece ter ficado indisponível, avesso aos manuseios e deslocamentos. Parece que estamos sem bússola, há uma ausência de topografia para compreender a complexificação da vida. Vivemos uma temporada de ambiguidades, de contradições, de gestos incompletos e limites incertos; é como se o nosso otimismo estivesse em xeque.
Temos que compartilhar a convivência ambígua de decisões científicas e políticas, certas narrativas com palavras encaroçadas, divergentes, que trazem a impressão de que o País está ácido e dilacerado, sem firmeza, união ou conhecimento da ciência. Precisamos retornar ao vibrante universo cultural que define o nosso país; transformar o cenário, criar novos eixos de leitura. A arte é produção de conhecimento, é aquilo que amplia o campo da experiência da significação. Os artistas são a antena do mundo, como afirmou o poeta Ezra Pound.
Vanda Klabin é curadora, com carreira muito estabelecida e nome forte no cenário artístico.