Somos naturalmente solidários? É possível que você fique desapontado com a resposta a essa pergunta, mas nós nunca fomos “naturalmente” solidários com outros, especialmente quando esses outros não fazem parte do nosso grupo. Apesar de ser um choque para muitos, a solidariedade (natural) é um comportamento de adaptação social com o pragmático objetivo de ajuda mútua para defesa (e sobrevivência) dos membros de um grupo às ameaças externas, sejam elas forças da natureza, predadores selvagens, sejam outros grupos disputando o mesmo espaço e as mesmas fontes de alimentação.
No mundo animal dos mamíferos, esse comportamento não é diferente: entre os membros de um mesmo grupo (leões, lobos, elefantes ou chimpanzés), só há solidariedade, afinidades ou interesses. O combate, muitas vezes mortal, ocorre entre grupos de uma mesma espécie, competindo pela dominância de território e primazia dos recursos, ou entre membros de um mesmo grupo competindo pela liderança.
Nós evoluímos enfrentando o ambiente adverso não somente como indivíduos, mas também, principalmente, como grupos de famílias ou pequenos bandos disputando os recursos com semelhantes de nossa própria espécie. Nessa luta permanente, além da defesa e sobrevivência, o cuidado com a prole foi um dos fatores que mais contribuíram para a solidariedade entre os membros de um mesmo grupo.
Não é, por outra razão, que a solidariedade existe na alma judaica, há, pelo menos, três mil anos. É possível que ela tenha se iniciado com as 12 tribos na Terra Prometida, que lutavam contra seus muitos inimigos, e se solidificado em função das grandes perseguições iniciadas 500 anos antes de Cristo e continuadas ao longo dos séculos seguintes de diáspora. Na Idade Média, berço do obscurantismo, os ruivos (especialmente as mulheres) eram associados à bruxaria, e as crianças ruivas e sardentas costumavam ser relacionadas às forças malignas e bárbaras.
Vem, dessa época, o sentimento de solidariedade entre eles — até hoje, trocam sorrisos quando se cruzam na rua. Um exemplo mais contemporâneo vem da minha vivência com as motocicletas. Fui iniciado no mundo das duas rodas por meu pai na década de 1970, época em que era muito comum o cumprimento com a cabeça quando dois motociclistas se cruzavam ou paravam no sinal.
Como éramos uma tribo de poucos membros, incompreendidos, havia um forte sentimento de solidariedade entre aqueles que gostavam da sensação de liberdade e vento no rosto. Contudo, não precisamos voltar muito longe no tempo, para ver esse mesmo sentimento entre taxistas e motoboys.
Basta que um deles se envolva em um acidente de trânsito, para que muitos parem para se solidarizar – até mesmo entre brasileiros, quando se encontram enfrentando algum perrengue em terras estrangeiras.Assim, se realmente “continuamos sendo tribais”, faça parte da tribo que trabalha a favor da responsabilidade social. Seja solidário com aqueles que passam por dificuldades neste tempo de crise provocada pela pandemia da Covid-19.
Marcelo Szpilman é biólogo marinho, idealizador e presidente de honra do AquaRio e diretor-presidente do Instituto de Conservação Marinha.