Muitos são os entediados com a quarentena e, em alguns casos, com situações bem piores. Não é o caso de Mariana Aydar. No fim de abril, a cantora teve diagnóstico positivo para a Covid-19, mas passou praticamente ilesa pela doença. Brisa, sua filha de 7 anos (com o cantor Duani), foi quem sofreu mais as consequências, com febre alta, dor de cabeça e no corpo.
No mais, a forrozeira só tem visto vantagens com o isolamento social: aprendeu a cozinhar, tocar violão, fez live solidária, “quarentou” na quarentena, comemorando aniversário no dia 8 de maio, num show de três horas com os amigos (virtualmente, claro), e vai gravar uma música que pretende lançar em junho, mês de São João, época do ano em que ela mais entra em cena, este ano sem a energia que a aproximação com o público cria. Mesmo com o distanciamento, nem as festas juninas saem do caminho de Mariana, nem Mariana sai no caminho das festas juninas, com ou sem coronavírus (argh!). Os fãs ficam de luto, digamos assim, sem Mariana no pódio, que ela e eles amam. Ela e toda a sua mecânica corporal. É passageiro!
Como aconteceu o seu contágio?
Estava fazendo uma quarentena supersevera porque, ano passado, tive uma pneumonia; então, os médicos me alertaram que eu estava no grupo de risco. A única coisa que eu fazia fora da curva era sair três vezes por semana com a minha cachorra, a Sanfona, que tem uma energia de louco, mas sempre de máscara. E também pedia muito delivery, mas eu não estava passando água sanitária na banana, sabe? A Brisa estava indo para a casa do pai e soube que a quarentena por lá não estava tão severa. Dois dias depois, ela ficou com uma febrona, dor de cabeça e no corpo, todos os sintomas que poderiam ser de uma gripezinha de criança, mas hoje a gente não sabe, fiquei encanada e resolvi fazer o teste: deu positivo para ela e para mim. No dia 30 de abril, resolvi contar, nas minhas redes sociais, um pouco da minha história para ajudar outras pessoas.
Acredita que a ficha das pessoas ainda não caiu?
Eu fui praticamente uma paciente assintomática. Só tive falta de ar numa noite; parecia que estava me afogando no seco. Fora isso, não tive mais nada, como muitos por aí. Se eu não tivesse feito o teste, estaria contaminando outras pessoas. A ficha não caiu. Nesses passeios, eu via muita gente treinando com personal em praças. Isso é foco. O meu bairro (Vila Ipojuca) é muito vazio e, mesmo assim, via pessoas fazendo churrasco com seis, sete em casa. Como assim? Se um desses assintomáticos está fazendo um churrasquinho com amigos, eles passam para o outro, que passa para a avó dele, e vai ser fatal. A gente tem que ter responsabilidade coletiva. Fiz outro teste essa semana (o resultado saiu na terça, 12/05), para saber se estava imunizada. Não estou. Uma amiga da minha mãe pegou, quase morreu e, depois de cinco semanas, ainda não está imunizada.
E o medo?
Muito medo. Assim que recebi o resultado, fiquei pensando como se desenvolveria, se já tinha passado pelo pior, como me comportaria? Fui ao hospital fazer raios-X: meu pulmão não foi tomado. Quando cheguei ao hospital, me sentia um mau elemento infectando as pessoas. Falando aos enfermeiros e médicos que eu estava com a Covid-19, eles riam da minha cara, porque é o que mais estão vendo: pacientes assintomáticos. Só que você não pode falar isso porque a galera vai ficar jogando dominó nas ruas, vai ter carnaval. Se, mesmo com as desgraças que passam na TV, as pessoas saem, imagina se você diz que existem muitos assintomáticos? Eu tive uma boa experiência.
Acredita que o Brasil está sabendo lidar com a doença?
Fico preocupada com esse desgoverno, essas pessoas loucas no poder, uma cagada atrás da outra; parece filme de terror, a gente a esmo. Estamos dando valor ao SUS, mas, ao mesmo tempo, desgovernados e ainda ouvindo notícias ridículas sobre a quantidade irreal de pacientes infectados. Só vamos saber o número certo se testar todo mundo.
Como foi a comemoração dos 40?
Eu amo fazer festa, encontrar pessoas, mas me surpreendi, e foi muito legal. Recebi carinho virtual, telefonemas, flores… Foi muito lindo, uma coisa que não estava esperando. A situação é grave, mas temos que tirar algo bom. Acredito que isso é uma revolução espiritual. Estamos passando por uma provação como seres humanos, para construirmos uma Terra melhor e olharmos para dentro.
Acha que algo vai mudar?
Acho que já mudou. É muito tempo em quarentena e, provavelmente, ficaremos em casa até julho. Tenho amigos que estão surtando com a própria companhia, o que é um absurdo. Temos que aprender a ficar bem, sozinhos, com nossos filhos. Está sendo uma revolução interna e também coletiva. Estamos numa situação totalmente privilegiada. Tenho minha casa, comida, posso fazer um teste, mas muita gente está numa situação horrível. Lógico que têm pessoas nem aí, mas existem muitas manifestações de solidariedade. Comecei a ter empatia por coisas que sempre estiveram aí: a desigualdade social, econômica e étnica, a injustiça, a pobreza. Isso ampliou o olhar, está provocando uma revolução individual, de olhar pra dentro, espiritualizar, ter fé, para passar por tudo isso e também pensar no coletivo, desde a faxineira que você paga mesmo ela não vindo, a pensar no porteiro, que lida com várias pessoas, até doar grana para ONGs. Não estamos vivendo uma Terceira Guerra Mundial – e uma pandemia que rico, pobre, todos pegam, mas, claro, existe a injustiça social, porque quem vai “se foder” é o pobre.
Do que sente mais falta?
Sinto falta de dançar forró e entrar no mar, a falta da estrada, do palco, porque amo dividir com as pessoas. Chega no fim, falo com todo mundo, abraço, beijo. Ao mesmo tempo, tudo isso me fez voltar para um lugar da música muito primário. As pessoas conseguem ficar sem jantar fora, viajar, comprar uma roupa, mas ninguém fica sem música, cinema, livros. A arte está tomando esse posto que é dela. É liberdade, um lugar sagrado que salva, tanto para os artistas quanto para as pessoas que consomem. E eu estou muito mais consumidora, ouço mais música, assisto a filmes, pego meu violão para cantar todos os dias.
E o lado profissional?
Compus várias músicas e também revisitei outras e descobri uma que vou gravar durante a pandemia, ainda não sei como. Não vou falar o nome porque ainda vou conversar com os compositores, mas já estamos na pré-produção. Descobri essa música numa playlist, enquanto lavava louça e me apaixonei; tem tudo a ver com São João. Devo gravar a voz ao telefone – olha que doideira! É libertador como as coisas podem acontecer de qualquer jeito. A arte nunca sucumbiu; ela encontra um jeito de acontecer.
Fez descobertas na quarentena?
No dia 8 de maio, fiz uma live de três horas, com vários convidados para cantar, no meu aniversário: Roberta Sá, Maria Gadú, Mestrinho, Chico César… Essas apresentações têm nutrido a falta da estrada, o contato com o público. Um dia, entrei sem avisar, só pra testar, e um monte de gente que nunca vi na vida pedindo para participar. Comecei a aceitar, e só pessoas bacanas de todos os lugares: Manaus, Itália, Fortaleza etc. Nisso, entrou um menino sanfoneiro de 12 anos, Abner Lima, que eu já tinha visto no forró, só que não sabia quem era. Ele emocionou todo mundo, um discípulo de Dominguinhos, um dos futuros do forró no Brasil. No fim, ele mandou mensagem pedindo que eu fosse sua madrinha musical. Ganhei um afilhado no meio da quarentena!
Você ficou, digamos, prejudicada economicamente?
Show é a maior renda de um artista; fomos totalmente abalados. Sofri baque econômico, mas não consigo pensar nisso com tanta gente sofrendo. O artista é muito legal neste momento, por mais que todo mundo esteja fodido, a gente está fazendo live para arrecadar alimentos, cestas básicas, fiz um “como ajudar”, e em todos as lives eu peço. É como se a pessoa estivesse indo a um show e pagasse por isso. Fico triste porque não vou ter meu São João, mas o que é o meu São João perto disso? Minha agenda estava lotada, tinha vários festivais que eu sempre quis tocar. Estava num momento muito bom, mas o que é uma carreira no meio disso? Nada. Ao mesmo tempo, você agradece as coisas que tem, mesmo na merda.
Como está se virando sozinha?
Estou muito bem por ter chegado aos 40 anos com as escolhas que fiz, muito tranquila, sem namorado ou marido e muito feliz com isso (rsrsrs). Não sabia cozinhar e me achava uma “looser” (“perdedora”) porque não sabia nem fazer arroz, nem tocar um violão sozinha. Aprendi as duas funções; pelo menos, não faço só mingau, vitamina e miojo. Descobri que tenho mão boa para a cozinha, isso foi muito legal. E está rolando um desprendimento da vaidade. Fico o dia inteiro de pijama e, quando recebo uma chamada de vídeo, fico desesperada. Me avise antes, por favor! Isso me deu uma outra noção, até economicamente. Não vou mais ao salão de beleza toda semana, nem a pau. São novos valores, novas prioridades… Em vez de ficar uma hora fazendo unha, vou estudar violão, cozinhar meu arroz, ficar com a minha filha. A gente está vivendo muitas coisas boas e temos que nos apegar nisso. Foi um chacoalhão. Estávamos maltratando muito a Mãe Terra.