Existe um complexo interjogo entre desenvolvimento tecnológico e desenvolvimento emocional. Em ambos desenvolvimentos, o ser humano não consegue resolver nenhum problema sem que imediatamente surjam novos problemas para solucionar. Por exemplo, quando uma criança aprende a andar é imediatamente apresentada a um espaço muito mais vasto do que quando engatinhava, e esse mundo novo e complexo demanda investigação e mais desenvolvimento. Uma criança começa a falar e seus horizontes são novamente expandidos, com consequências semelhantes. Ao longo de toda nossa vida as coisas continuam assim.
A saúde mental de um indivíduo depende de conseguir enfrentar as sucessivas demandas criadas pelo seu próprio progresso; e no sentido contrário, a capacidade para enfrentar novas exigências da vida depende da sua saúde mental. Não há como cortar essa circularidade. A menos que se procure viver de forma totalmente alienada. Muitos fazem isso atacando o progresso e o desenvolvimento. Além do mais, o preço da alienação é sempre altíssimo.
Um dos problemas enfrentados por qualquer desenvolvimento é a aquisição de autonomia social, o que envolve libertar-se do mimetismo exigido pelo grupo ou pela nação. As sociedades totalitárias exigem mimetismo absoluto de seus cidadãos. Vejam a Coréia do Norte e a China onde o mimetismo é compulsório e estimulado de todas as formas imagináveis. Mas não precisamos ir muito longe. Em nosso próprio País existem correntes ideológicas que querem que toda a nação pense da mesma forma. Não aceitam oposição. Se alguém pensa diferente não presta. Por essa razão não se desenvolvem, estão parados no tempo. Vivem uma eterna adolescência rebelde, achando que vão mudar o mundo com bravatas e trapaças.
No campo do desenvolvimento emocional e intelectual a situação difere do que ocorre no desenvolvimento tecnológico. Pois o mimetismo tecnológico bem-sucedido não se aplica ao emocional. Na realidade, o mimetismo não tem o menor valor no campo emocional e é realmente um enorme perigo, pois produz uma falsa aparência de desenvolvimento. Mimetismo significa falar com desenvoltura daquilo que não se tem conhecimento emocional. Mal comparando é como um papagaio que pode imitar e convencer os desavisados que a fala contem conhecimento de causa.
Uma sociedade que estimula o mimetismo coloca o seu destino nas mãos dos indivíduos subdesenvolvidos emocionalmente, que são justamente os mais bem equipados mimeticamente. Portanto, a esperança depende de se desenvolver uma técnica para o desenvolvimento emocional. Essa técnica existe, trata-se da psicanálise; mas como aplicar psicanálise em todos os cidadãos? Esse é o tipo de problema que ilustra como o avanço de uma ciência cria problemas muito complexos. Mas não avançar porque é difícil pode fazer com que fiquemos prisioneiros de uma elite extremamente destrutiva.
A pandemia certamente criou uma série de problemas que vão precisar de muito tempo para serem resolvidos. Essas soluções vão gerar outros problemas. Todavia, o retrocesso imposto pelas medidas de isolamento social gerou a possibilidade de resgate de uma série de valores que estavam desprezados. Permitiu enxergar aqui em nosso País o desprezo pelo investimento na Saúde e Educação, criminosamente cometidos pelos governos. Não se pode mais continuar gastando bilhões com quem provê circo, enquanto um mínimo é gasto em Saúde e Educação, elementos que são essenciais à vida humana.
Num recente seminário online, uma aluna aflita com o estado de coisas me perguntou se nós psicanalistas não estaríamos na posição da orquestra tocando enquanto o Titanic afundava. Minha resposta é que não éramos uma orquestra, pois os psicanalistas não conseguem se juntar como tal, mas sim que fazemos parte da equipe do resgate mental e emocional dos náufragos da pandemia.
O poeta John Donne disse que “a aflição é um tesouro; dificilmente algum homem tem o bastante dele. Todo homem que teve aflição suficiente amadureceu por seu intermédio”.