O coronavírus é o assunto mais comentado no mundo. Ronaldinho Gaúcho agradece, ninguém mais se lembra dele; os políticos presos por corrupção, também. Todo mundo que entrou em quarentena antes de virar moda foi esquecido pelo resto do Planeta.
O pessoal vai-se adaptando à nova realidade. No início, postam alertas nas redes, depois dão um pulinho na praia: “Se eu for sozinho dar um mergulho e não falar com ninguém, não tem perigo.” Ao chegar à areia, você se dá conta de que não foi o único a ter essa ideia. O brasileiro acha que, se todos seguirem as regras, ele pode ser a exceção. O problema é que todos querem ser a exceção. E aí, dá ruim.
O jeito é ficar em casa. Faz tanto tempo que isso não acontece que acaba sendo novidade. Ele se imagina convivendo com filhos, vendo séries com a mulher, cozinhando pra família, seguindo tutorial do YouTube… Mas a família não quer provar o arroz solado do papai, os filhos já vivem em isolamento social nos seus quartos desde que começou a adolescência, e a mulher não quer saber de série — só assiste ao “Decora” e similares.
Enquanto ele pensa que vai ter sexo todo dia, ela pede calma: “Vamos deixar pra amanhã; a gente vai ter muito tempo pra isso”. Os dias vão-se passando, e todos se sentem como o Bill Murray no filme “O Feitiço do Tempo”. Todos os dias são iguais, o noticiário é o mesmo, só variam os números (crescentes de casos). O presidente inventa uma bobagem a cada dia, mas a oposição, de mau humor, não compreende o esforço do capitão para distrair a nação, criar um assunto pras conversas, já que nem de futebol podemos mais falar.
Os homens andam com as mãos impecavelmente limpas, mas não trocam o pijama nem fazem a barba. As mulheres não correm o risco de se contaminar com base, batom, rímel, esses produtos que o ministro da Saúde nunca cita. O casal vai ficando largado, desleixado (de mãos limpas, porém). Sexo, portanto, nem pensar. O tal home office se resume a ligar o computador, abrir uma cerveja e seguir a rotina do escritório, quando o chefe não está. E em casa, ele nunca estará. Os filhos recusam-se a acompanhar as aulas online; dizem que aprendem de tudo nos grupos de WhatsApp.
Os mais velhos entram na onda dos mais jovens e trocam memes freneticamente. Todos passam a receber as mesmas piadas várias vezes ao dia. De vez em quando, Rubinho Barrichello entra no grupo da família e repassa aqueles vídeos que viralizaram em 2017. A família sente fome, o pai procura no YouTube uma receita que leve papel higiênico e álcool gel, as únicas coisas que tem na despensa.
O fim de semana se aproxima, a família se anima, mas logo se dá conta de que todo dia já é fim de semana, e passa a torcer pela volta da rotina. Todos sonham com o dia em que vão voltar a postar uma foto no metrô lotado, de volta ao trabalho ou à faculdade. Segundou!
Helio de la Peña é humorista, ex-Casseta, botafoguense apaixonado. Atualmente é possível assistir sua versão ator em “Totalmente Demais”, novela das sete reprisada pela TV Globo. Irreverência e inteligência fazem parte da sua quarentena.
Foto: TV Globo/Divulgação