Estamos em tempos históricos — não tanto pelas proporções desta pandemia, mas porque neles podemos aferir se, em algo, evoluiu a humanidade. Não me refiro às tecnologias, mas ao espírito humano. Desde Noé, a reação humana diante de desafios de sobrevivência parece não ter mudado muito, visto que cada um trata de construir sua arca para salvar a família e experimentar a sensação de que estamos estocados para a intempérie.
A justificativa moral é que não há o que fazer a não ser resguardar a si próprio, visto que qualquer solidariedade se compara a impotência de distribuir guarda-chuvas para enfrentar um dilúvio. Contudo, não é bem assim. Cada ato de gentileza conta muito e reforça a imunidade social, que é fundamental. Essas gentilezas nutrem a coragem e os sacrifícios, sem os quais não se faz o que precisa ser feito. Além de gentilezas, é momento de coerências.
Conta-se que, numa seca catastrófica, a comunidade resolveu realizar rezas pedindo por chuva. Todos se congregaram na sinagoga, mas o rabino não compareceu. Vieram então buscá-lo, e ele reagiu: “Eu vi quando todos acorriam à sinagoga, com a intenção de oferecer sua devoção…, mas não vi uma única pessoa sequer levando um guarda-chuva!”. Se você acredita que sua ação irá impactar, claro, você leva um guarda-chuva! Nossa coerência nas ações faz toda a diferença.
E, por último, um conceito do rabino de Lubavitch que, ao falar da força espiritual, fazia esta imagem: “Alguém já viu um soldado em guerra levar guarda-chuva?”. Temos que encontrar em nós a força para focar no objetivo e tornar irrelevante qualquer desconforto. Gentilezas, coerências e foco esterilizam esse vírus. Precisamos exponencialmente desses atributos para rapidamente achatar a curva desse desafio.
Nilton Bonder é rabino, líder espiritual, escritor, com mais de 20 livros publicados (entre eles, “Alma Imoral”, que virou peça de sucesso). Foto: reprodução Facebook