Sobre mais um filme tocante do sul-coreano Bong Joon-Ho, Roberto Sadovski em seu artigo para o UOL, observou: “Com o mundo completamente fora do eixo, como o noticiário teima em nos lembrar a todo momento, o diretor consolida a noção que ideias podem ser o estopim do caos. É um filme de alcance universal, reverberando abismos profundos comuns a cada pátria, a cada povo, a cada camada social…”. E complementa que o filme destaca que os personagens compartilham “o sentimento de pertencer mesmo que seja mentira”.
E aí ressalto o meu ponto: viver na mentira.
O artigo me tocou profundamente e encontrei algumas semelhanças no “Coringa” de Joaquin Phoenix. Genericamente falando, estamos compartilhando mais escassez do que abundância, arrogância do que amor; desespero do que prazer, medo e julgamento. Tristeza coletiva.
Qual o sentido maior de sermos humanos? Não seria utilizarmos a mente e tudo que ela é capaz de criar e produzir para vivermos melhor? Em que estágio estamos?
Já foi bacana ser elite; não é mais. É cafona ter orgulho de viver numa bolha repleta de superficialidades. Viajar para os mesmos lugares, consumir loucamente e não contribuir, seja que minimamente, não só para o seu, mas também para um mundo melhor.
Porque, caso contrário, é pequeno, ignorante e, portanto, medíocre. Direitos adquiridos existem e devem ser respeitados, mas alienação, desculpe, jamais.
Muito embora eu ainda não tenha tido a oportunidade de assistir ao filme vencedor, arrisco-me a discordar ou complementar a posição de Sadovski, dizendo que o diretor indaga com “Parasita”: “Quem teria coragem de voltar seu olhar para o lado de fora”… Para mim seria: “Quem, hoje em dia, tem coragem de olhar para o(s) lado(s) de dentro?”.
Tanto o filme do sul-coreano como “Coringa” tratam de questões angustiantes, calamitantes e urgentes. Não podemos continuar nos furtando à realidade, acreditando “estar tudo bem”… Ou você acha que está? Diga-me!
Como seres comprovadamente sociais, viver individual e egoisticamente não pode proporcionar felicidade.
Acho tremendamente curioso como muitos perceberam o “Coringa” — esse eu assisti, em Bangkok, já que, em Bali, ir ao cinema exige algumas horas no trânsito — como um filme absurdamente perturbador de um psicopata, assassino etc. Desculpe. Só eu que enxergo com exacerbada nitidez, ou estão todos cegos? O que percebi foi uma realidade muito próxima à que estamos vivendo, especialmente no fim, quando ele, um grande violentado pela vida de rejeição, abandono e carência, é seguido por uma multidão. Muita crueldade e insensibilidade.
Brutal e, infelizmente muito real — basta andar pelas ruas de Copacabana, pelas avenidas de São Paulo, pelas comunidades, pelos hospitais. Joaquin, o vencedor do Oscar de melhor ator, citou a desconexão com a natureza, e ele tem toda a razão. Agora que vivo “mergulhada” na floresta, percebo o quanto respiro mais paz.
Nós nos separarmos dos animais, da terra é do que realmente nos faz intimamente felizes e, consequentemente, nos tornamos desnutridos, secos, murchos, adormecidos, podres e pobres! De alma, de espírito, de inspiração, de beleza e sofisticação.
O fundamentalmente belo e primordial — que ocorre tão naturalmente em contato com seres e sentimentos que a natureza nos oferece — já não é percebido ou sentido. E aí, caros leitores, o que há de ter sentido? A vida, a morte, as conquistas, o sucesso, o Oscar?
Para Phoenix, tem sentido; para Leonardo DiCaprio e Brad Pitt, também.
Para Marlon Brando, quando indicou a índia americana Sacheen Littlefeather para receber o Oscar em seu nome, nem se fala. Em 1973, a índia rejeitou o Oscar de melhor ator de Brando, a pedido do próprio ator, e protestou pela maneira como Hollywood retrata a população indígena.
Que as estatuetas douradas sirvam para dar vozes a artistas conscientes que nos influenciam positivamente, já que, em muitos momentos, estamos apáticos e adormecidos. Não ao parasitismo. Não somos ratos de laboratório, e estes precisam também ser abolidos. Somos 7,5 bilhões de habitantes! Somos muitos. Demasiados.
É questão de sobrevivência que a população se torne, ao menos, 50% vegana. É uma tarefa obrigatória e individual produzir menos lixo e não estar cego, surdo e mudo diante dos absurdos resultantes do capitalismo desenfreado que só nos faz aprisionar.
Saudades do Cazuza e Legião Urbana, que usavam sua voz politizada para alertar as pessoas em suas músicas, e grata de viver esse momento em que me sinto privilegiada como ser humano em fazer parte do time que não está corroborando a nossa extinção.