O ator Mário Gomes, um dos maiores galãs da TV brasileira nas décadas de 80 e 90, começou a semana comemorando sua licença de “Ambulante Legal”, recebida de Marcelo Crivella, junto a outros 150 camelôs cariocas, no Palácio da Cidade, em Botafogo. “É importante estar dentro da lei, e ninguém vai poder falar nada”, diz ele. Mas falou. O Movimento Unido dos Camelôs (Muca) não gostou e disse que vai à Justiça contra a decisão da Prefeitura porque, segundo eles, Mário teria “furado a fila” ao receber passe-livre para o trailer na Praia da Joatinga, na Barra, especificamente no Mirante Ricardo Menescal, antes da descida para a praia — ele trabalha há pouco mais de dois anos no ponto.
Segundo o Muca, para ter preferência no cadastro, é necessário ter mais de 45 anos, ser deficiente físico e comprovar o tempo que trabalha na rua. “Eu tenho 68 anos, câncer de próstata (ele operou há sete anos e está em estágio remissivo), um filho com necessidades especiais e estou desempregado há algum tempo. Tenho todos os requisitos”, diz ele.
Em 2017, sem convites para trabalhar como ator, Mário construiu o próprio carrinho e começou a vender hambúrgueres no ponto da Joatinga, próximo de onde mora com a mulher, a arquiteta Raquel Palma, e os quatro filhos, Linda, Talita, João e Katarina. “Não consigo ficar parado e gosto de empreender”, explicou. Dois anos depois, o negócio cresceu, e a carrocinha deu lugar a um trailer em formato de trem, que ganhou o nome de “X do Gomes”, vendendo açaí, sanduíches, coco, sucos, croissants etc.
Hiperativo, na conversa com a coluna, Mário fala sobre tudo, mas dois assuntos são recorrentes: a saída da Rede Globo e o ressentimento pela falta de convites para papéis fixos, desde 2008, em “A Favorita”. No ano passado, ele fez uma participação em “Tempo de Amar”, novela das seis da emissora.
Em paralelo à função de ambulante, o ator tem muitos projetos, como criar um complexo cultural na Joatinga, atuar numa série da Netflix ao lado de Moacyr Franco, publicar uma biografia, com fotos e matérias de jornais e revistas dos tempos áureos, desde seu nascimento até a vida dentro e fora da Rede Globo, revelações de bastidores que prometem abalar o meio e até o episódio da cenoura (publicada num jornaleco carioca em 1977, de que o ator teria dado entrada num pronto-socorro com o tubérculo entalada).
À época, ele era o galã mais cobiçado do País: seu personagem Dino César era uma das pontas de um triângulo amoroso que incluía Betty Faria e Francisco Cuoco, na novela “Duas Vidas” (Globo), de Janete Clair. Apesar de ter trabalhado regularmente em novelas da emissora até 1984, Mário nunca se tornou o astro como seus contemporâneos. Mário nunca se tornou o astro como previsto.
Como foi pra você receber essa licença de ambulante e a reação da classe?
É importante estar dentro da lei; assim, ninguém pode falar nada. O movimento está exagerando porque, na Joatinga, não existe competição: é um lugar meio abandonado e só fica movimentado de dezembro a fevereiro. A maré vive cheia. Não há competição com ninguém; o que existe é uma incompreensão, e não tem que crescer o olho. As pessoas fazem de tudo para detonar o prefeito. Eu vejo nele um cara honesto, ele trabalha pra caramba para os ambulantes, que estão tendo um mole como nunca tiveram. Aliás, estou satisfeito com o que está rolando com a política no Brasil.
Você chegou a passar por problemas financeiros?
Não sou milionário e vivo do que juntei ao longo da minha carreira, e isso é um dinheiro extra. Sem falar que a família fica mais unida porque todos estão envolvidos no processo: minha mulher faz as comidas, uma das filhas faz a embalagem, a outra, a mídia. Sempre tive vontade de empreender e, mais do que vender bem, quero manter um negócio, ter uma infraestrutura bacana para receber turistas. Vou fazer uma espécie de laboratório em parceria com o dono de um terreno na subida da Estrada da Joatinga e pretendo juntar um pessoal para fazer um polo cultural ali, com teatro, shows, gastronomia, paisagismo. Vou continuar com um carrinho menor na praia, porque um vizinho não gostou do trem já que não é o adequado. Daí vou levá-lo para esse terreno, dar uma revitalizada, uma agitada na Joatinga. Aqui tem um público classe A, mas vem gente de todo lado, desde a Rocinha, Tijuca, tudo misturado. Tenho como vizinhos a Isabel do vôlei, o Vitor Belfort e a Feiticeira (Joana Prado, mulher do lutador), Rodrigo Santoro, Cauã Reymond, todo mundo.
Como foi a transição de galã de horário nobre da TV para o “X do Gomes”?
Foi duro ter saído no auge do sucesso. Sofri muito. Mas a gente aprende com os erros e você tem que ficar ligado no futuro, o presente está mais ou menos organizado, mas e depois? Esse é o problema da TV, já que mutas vezes você fica sem trabalho. E como não era mais chamado, não sou de ficar parado, então fiz o carrinho e comecei a vender. Obviamente tenho minhas dificuldades, mas sempre tem um coco pra gente vender. Problema é não trabalhar. Estou mais tranquilo e curtindo essa fase da minha vida. Ser ator parece fácil, mas é puxado. Oferecer alimento é um gesto generoso — aqui, na Joatinga, não tem absolutamente nada. Ou seja, o prefeito só fez a entrega do crachá e acabei dando publicidade aos ambulantes.
Você carrega mágoas, ressentimentos dos tempos da TV?
Eu sempre me ferrei porque sempre digo o que penso e eu era muito ingênuo. Me tiraram no auge de “Vereda Tropical” (1984), como se fosse o Neymar sendo tirado do time. Quem faz a diferença é o Neymar, o Pelé, o Mário Gomes. Toda confusão aconteceu porque eu me envolvi com a Betty (que foi casada com o diretor Daniel Filho, de 1973 a 1977) nas gravações da novela “Duas Vidas” (1976). O Daniel começou a me perseguir, e foi um sofrimento imenso. A Betty veio para me ajudar com tudo, inclusive sexualmente — era descolada, bonita, me envolvi naquela relação sem a menor maldade e fui massacrado. Jamais tomaria a iniciativa porque eu era extremamente apático; as mulheres sempre me cantavam. Ela me chamou para sair e eu não saberia dizer não. Fiquei deslumbrado, e a gente se envolveu. Então o Daniel começou uma pressão absurda e me perseguiu de uma maneira insana. Daniel fazia a cabeça da Janete Clair (autora de “Veredas”), dizendo que eu não estava segurando a onda; então, ela mudou o rumo do meu personagem. Foi uma violência. Depois fez loucuras, me chamava de viado, me difamava quando podia.
Você e o Daniel já conversaram algum dia?
Um tempo depois, encontrei com ele, tomamos umas bebidas e lhe dei uma carona. A gente chorou junto, eu disse que não era minha intenção fazer mal a ele, mas nos afastamos e, mesmo assim, ele não parou de me massacrar. Eu superei, mas obviamente olho pra trás e vejo que minha vida seria muito diferente. Mas ele impediu, e eu fui me atrapalhando também. Vi que não arrumava emprego, perdi muito cabelo, emagreci. Os caras que começaram comigo ainda estão aí, como José Mayer, Edson Celulari, Paulo Betti. É um sofrimento eterno.
E o episódio da cenoura?
Eu soube três dias depois e achei até engraçado, eu ri. Foi uma tentativa de assassinato, mas não me matou, como diria Nietzsche, ‘o que não mata, nos fortalece’. Eles queriam apagar a história do chifre da Betty. Mas a história pegou e fiquei apavorado, emagreci. Foi um inferno. Eu ficava apavorado. Mas o que mais me atingiu foi que, no mesmo dia, também saiu uma matéria numa revista acusando meu pai de tráfico de drogas. Ele já tinha morrido há 9 anos e o trataram de forma vil, execrável. Isso me machucou muito. Jogaram uma matéria do meu pai para eu ter uma atitude agressiva, mas não tive.