Se você passou pela Bienal, no Riocentro, na Barra, esta semana, e viu um monte de adolescentes aglomerados, com certeza, Thalita Rebouças estava no centro da roda, com muitos olhares curiosos em sua direção. No entanto, nem sempre foi assim: “A primeira vez na Bienal, eu era invisível, mas dei meu jeito, subi nas cadeiras para atrair leitores”. O curso da vida foi mudando e agora, aos 19 anos de carreira, são mais de 2,3 milhões de títulos vendidos, com tradução para 20 países.
Ao vê-la partir, uma garotinha quis saber: “Quando eu posso me encontrar com ela de novo?” Foi na Bienal também que Thalita anunciou, oficialmente, o lançamento de “Ela disse, ele disse”, adaptação cinematográfica de seu livro homônimo, o que não é novidade: seus trabalhos foram adaptados para o teatro, e os direitos de vários foram vendidos para o cinema. Fato é que onde tem muita gente entre 12 e 20 (principalmente), Thalita chega bem. E outra: entrou em cena pra ficar até quando quiser! Nesta edição, a Bienal recebeu 600 mil visitantes, que compraram 4 milhões de livros.
Como você recebeu a notícia do recolhimento de livros com tema LGBTQ+ na Bienal?
Estou chocada, triste, no chão. Estou há 20 anos escrevendo e não vi nada parecido com isso na Bienal. Estou com vontade de chorar. Meu penúltimo livro é o “Confissões de um garoto tímido, nerd e (ligeiramente) apaixonado”, um menino que se descobre gay, sensível, um livro que ajuda muita gente. Estou extremamente chocada com o retrocesso que a gente está vivendo — são tempos sombrios.
O que a Bienal significa pra você, se analisar por essa ligação quase familiar?
É uma relação muito bacana porque eu nasci mesmo aí. Eu vi minha carreira acontecer – da época em que eu tinha que subir na cadeira para chamar a atenção das pessoas, dizendo que eu não estava lá para dar informação de onde ficava o banheiro, até o dia em que eu tive uma fila de autógrafos e até seguranças me acompanhando. Ainda hoje, não acredito que tanta gente sai de casa pra me ver! No fim de semana, vi gente de todo lugar do mundo. Minha relação é de muito amor e muita gratidão. Eu vejo tantos autores novos começando e me levando livros, e falando que se inspiram na minha história, que começou quase 20 anos atrás. A Bienal é um espaço muito democrático para jovens autores. Eu fico sempre muito emocionada.
Conte alguma situação que passou numa Bienal no Rio.
São tantas, mas eu morro de rir com as mães, que ficam horas na fila esperando o autógrafo e, quando chega a hora da filha, elas me fazem rir porque ficam muito empolgadas — matam as filhas de vergonha. Eu vejo “Fala sério, mãe” em toda Bienal, personificadas na minha frente. Às vezes, fica a família inteira a postos; daí eu brinco que eles levaram os paparazzi.
Nessa edição, você lançou “Confissões de uma garota linda, popular e (secretamente) infeliz”. Como chegou até o tema? Acredita que a infelicidade é um mal da modernidade?
A gente ouve falar disso agora, mas, desde que eu comecei a escrever, esse é um pedido dos pais, mas só agora me senti pronta e madura o suficiente como escritora para falar sobre isso. Foi o primeiro livro em que eu me despi totalmente do humor, tão presente nos meus 22 livros anteriores, e eu cheguei a esse tema por causa da pressão das redes sociais por um corpo perfeito, que não existe. Essa busca pelo padrão ideal me angustia muito e resolvi falar sobre isso. Conversei com médicos, li muito sobre o assunto, consultei terapeutas, endócrinos, nutrólogos, gastros, muita gente bacana que me ouviu e me ajudou a compor essa personagem e a falar de transtornos alimentares e automutilação também.
Lidar com adolescentes faz de você uma pessoa mais jovem?
Eu sempre fui muito alegre, desde a adolescência. Não é porque eu escrevo para eles que sou assim — sou alegrinha mesmo, até me irrito com a minha alegria, e isso me faz parecer mais jovem.
E tem cuidado com o vocabulário, de não poder falar palavrão em público, essas coisas?
É engraçado porque, como pessoa física, eu até falo alguns, mas, na jurídica, não. Não tem palavrão nos meus livros; não gosto, não incentivo jovens e crianças a falar palavrão. Mas eu sou adulta, então me policio quando estou com eles. E quando não estou, acaba saindo um ou outro. Não é um policiamento sinistro, mas tem vezes que é bom entre amigos.
Pensa em escrever um livro adulto?
Em 2012, lancei o primeiro, “Adultos sem filtro e outras crônicas”, de um blog no site da Veja Rio. Agora quero lançar um com as crônicas que escrevi no jornal Extra. E tenho projetos para outros porque os meus personagens estão crescendo; quero pegar essa galera que me lia, que hoje está com 25, 30 anos.
Como carioca, cite decepções com a cidade ou motivos para continuar a viver aqui.
O motivo que me faz continuar morando aqui são os meus amigos, o melhor do Rio é o carioca. Amo essa informalidade, amo essa amizade de bar, amo a noite carioca – ela me inspira muito. Adoro o Jobi, o Baixo Gávea e o Leblon, o Diagonal, o Empório, apesar de a noite já ter sido melhor. Mas as decepções são muitas, o tempo todo: pagar impostos e não ver as coisas acontecerem, esse asfalto com cara de queijo suíço, cheio de buraco, parece que estou andando na Lua, é bizarro. O Rio está muito largado, e isso me faz ficar muito sentida porque é a cidade mais linda do mundo.
Verdade que você está na pista? Qual o tipo ideal?
Meu tipo é o que me faça rir e que não seja psicopata. Eu realmente não estou procurando ninguém, nunca estive tão feliz. Fechei comigo, sabe? Eu caso comigo de papel passado. Estou muito amarradona na mulher que eu me tornei, que aprendi a ser. Depois de um casamento de quase três anos (com o produtor Daniel Lopes), estou precisando desse tempo sozinha; está me fazendo muito bem ser solteira e conhecer pessoas bacanas. Quero ficar assim por mais um tempo, a não ser que eu me sinta arrebatada. Mas tem que me fazer rir e não se levar muito a sério; do contrário, não tenho paciência. E se tiver uma barbinha por fazer, a gente curte também.
Soubemos que você vai fazer um nu artístico para a artista plástica Jeane Terra…
A Jeane é uma grande amiga, e eu acho que meu corpo está bacana, eu super me pegaria, estou malhando direitinho, não para capa de revista, mas estou curtindo me ver no espelho. A Je tem uma série de nus, e achei maneiro para ter em casa. Vou aproveitar que estou gostosinha e fazer essas fotos – ela tem bom gosto, é elegante. Nunca fiz foto assim, e é bom a gente se ver e se gostar, até porque o photoshop está aí pra isso mesmo. Tenho zero problema em tirar a roupa, zero problema com meu corpo. Ando pelada pela casa. Minha empregada me vê pelada todo dia.
Ser mãe está nos seus planos?
Nunca tive vontade. Fazer filho é fácil, ser mãe é difícil. Não sei se tenho vocação para educar uma criança. Vejo muita mãe criar os filhos nas coxas e bater no peito para falar que a melhor coisa do mundo é ter filho, mas, na realidade, está criando uma pessoa mal-educada, sem limite. E seu sou muito preocupada com o Planeta, a gente tem que ter preocupação na hora que coloca uma pessoa no mundo, porque ela vai ser o futuro, e tem que ter bom senso, consciência. Ser mãe estava nos meus planos até achar que não precisava estar nos meus planos só por ser mulher e ter útero. Teve um momento que falei: não quero, e foi muito consciente. Se um dia me arrepender, eu amo a ideia de adotar. Por enquanto me sinto plena, cuidando dos meus cachorros Lindão e Babete.
Próximos projetos?
Vem aí um filme inédito para a Netflix, que vamos rodar em janeiro/fevereiro, mas não posso falar. O livro com o Zeca (o primeiro personagem homossexual de peso de Thalita), que vai encerrar a série “Confissões” na Sextante; o filme “Traição entre amigas”, que o Bruno Barreto vai dirigir, o filme do “360 Dias de sucesso” e outras coisas do audiovisual ainda secretas; e também um podcast.