Qual a diferença da moda do Rio para outros lugares? A pesquisadora carioca Paula Acioli tem essa e outras respostas — formada pelo London College of Fashion, no Reino Unido, membro do Instituto Brasileiro de Negócios e Direito da Moda e autora de diversos livros sobre o assunto — vai lançar “A culpa é do Rio! A cidade que inventou a moda do Brasil” (Editora Senac), na Livraria da Travessa do Shopping Leblon, nesta quarta (29/05).
Na publicação, Paula “costura” referências acadêmicas em uma linguagem clara não só sobre a evolução do vestir no Rio, mas também de como as mudanças nos cenários mundial e nacional repercutiram e interferiram no modo de vestir de seus habitantes, especialmente das mulheres.
A ideia do livro surgiu há alguns anos, depois que ela entregou a dissertação do mestrado em Moda, Cultura e Artes, e a orientadora recomendou que a publicasse. “Na mesma época, fui convidada pela Fundação Getúlio Vargas para coordenar um curso de Gestão em Moda; paralelamente, eu já estava trabalhando no mapeamento do setor da moda no Brasil para órgãos culturais e governamentais dos Países Baixos, e preferi me dedicar ao projeto quando tivesse mais tempo. Mas desde o início do mestrado, fiquei tão entusiasmada, que a vontade de escrever um livro sobre o tema acabou se desenhando logo nos primeiros meses de pesquisa. É o meu quarto livro, o segundo sobre a moda local”, diz.
O Rio continua sendo, digamos, o centro nervoso do País, pelo menos para a moda?
Não gosto de falar em centro nervoso. Em se tratando de moda, prefiro falar em centro ou polo criador e difusor da moda do País, o que considero que o Rio, sem dúvida — e sem tirar o mérito de nenhuma outra cidade do Brasil —, continua a ser.
No seu ponto de vista, a crise, a violência e a corrupção atingem ou não atingem a moda? Por quê?
Crise, violência e corrupção — e os nomes já dizem — atingem qualquer negócio. E a moda é arte, é criação, mas é também um negócio. Se o mundo ou o País estão em crise, os negócios serão afetados, direta ou indiretamente. É por isso que sempre recomendo a todos que trabalham ou se interessam por moda, lerem não apenas revistas de moda, mas também revistas, jornais e colunas sobre economia e política. Está tudo conectado.
Qual a diferença da moda do Rio para outros lugares do País e do mundo? Todos seguem querendo copiar a gente?
Não é bem diferença; eu diria particularidades, que fazem com que a moda e os modismos cariocas, sejam ou acabem se tornando objeto de desejo nacional e mundial. O fato, por exemplo, de a cidade ter sol praticamente o ano inteiro faz com que a moda criada no Rio seja geralmente solar, confortável, fresca, alegre. Elementos atemporais e sempre muito bem-vindos quando a gente quer se sentir bem. E ser feliz, à vontade como se estivesse em uma praia carioca, é um valor, um ativo, que acaba sendo associado ao que existe no Rio. É algo único, distintivo, como um jeito especial de amarrar uma canga na cintura ou de usar sandálias havaianas, em ocasiões diversas, fora da praia. Isso é muito carioca, é muito o Rio. Daí eu, desde sempre, defender (fiz parte de uma comissão de moda estadual que criou os selos “É moda do Rio” e “É do Rio” para produtos criados no Rio) e achar que as marcas cariocas de moda deveriam sempre usar o nome da cidade em suas etiquetas e produtos, o que já fazem há tempos as principais capitais da moda no mundo, como Paris, Nova York e Londres.
Para você, qual o símbolo maior do Rio na moda?
A elegância na descontração. Acho excepcional.
No livro, você vai do modo de vestir dos moradores do século XVI até os anos 1960. Quais as maiores influências que a moda carioca criou para o País?
São tantos séculos de tantas influências! Na capa, fiz questão de homenagear e destacar elementos que considero fundamentais na formação do vestir e do estilo de vestir carioca: o elemento nativo, o africano e o europeu. A mistura de elementos dessas ricas culturas resultou em um estilo de vida singular. Destaco, entre algumas das características que até hoje são marcas registradas do carioca e da moda local, a naturalidade no trato com o corpo, a descontração e o gosto, em geral, por cores vibrantes e estampas. Se olharmos para o passado, veremos como a mistura das culturas que aqui chegaram foi essencial nesse processo de formação das preferências no nosso vestir.
O primeiro capítulo é dedicado à Gisele Bündchen, sendo ela de Horizontina (RS), por quê?
Porque considero Gisele Bündchen uma interessante síntese do que acontece no Brasil, inclusive na moda: a reunião de diversos elementos em uma composição única, singular. Gisele, cuja família é do sul do Brasil e de origem europeia (alemã), tem linguagem e naturalidade corporal e jeito típicos das brasileiras/cariocas — além de, em muitas de suas entrevistas e até esmo em editoriais de moda, reafirmar seu amor ao País, à nossa natureza e à nossa moda. Não à toa, quando morei em Londres, vários amigos londrinos e europeus achavam que ela era carioca, sempre bronzeada e, em editoriais, muitas vezes, em praias do Rio. Gisele, a meu ver, fez — e continua a fazer — muito pela moda do Brasil e do Rio.
E o último dedicado à bossa nova…
A bossa foi movimento que, assim que surgiu, passou a valorizar o que é nosso e o que temos de bom no Rio: os nossos ritmos (inclusive de vida), a nossa música, a nossa natureza, as nossas praias, a nossa maneira de ser, a nossa juventude. Tudo isso que ainda hoje é parte essencial da moda criada do Rio, cheia de frescor, descontração e jovialidade. E criou a “Garota de Ipanema”, uma novidade em uma época em que o mundo reverenciava as provocantes e voluptuosas divas cinematográficas de Hollywood. A “diva” carioca era uma menina de 17 anos, que andava em um “doce balanço a caminho do mar”, sem maquiagem, com cabelos naturais, soltos ao vento, sem laquê. A bossa nova foi, na minha percepção, um divisor de águas não apenas para a música popular brasileira como também para o estilo de vida e para a moda local e nacional.