Maisa Pacheco vira sua “amiga de infância” em cinco minutos de conversa. Dona de um dos sex shops mais tradicionais de São Paulo, com seu nome – tem também aplicativo e site de entrega no País inteiro -, na Rua da Consolação, ela acaba de abrir um negócio inédito: assistência técnica para brinquedos eróticos. Seu vibrador quebrou? É só levar para a Maisa. Ela percebeu a necessidade depois de muitas clientes perguntaram onde consertar o seu “melhor amigo”. E, em vez de as vendas caírem, o negócio cresceu – enquanto o avariado está no “hospital”, a cliente roda pela loja atrás de novidades e quase nunca sai de mãos vazias. Detalhe: a loja funciona das 10h à meia-noite e só fecha no feriado da Semana Santa.
Maisa entrou no “mercado do prazer” em 1999, passou por uma crise em 2014 e teve que se repensar. Criou um canal no YouTube e começou a fazer vídeos descontraídos e com linguagem extrovertida; alguns deles têm mais de um milhão de visualizações. Os passos seguintes foram criar um Instagram – que tem quase 60 mil seguidores -, uma loja virtual e o aplicativo de vendas. A relação com seus clientes é tão íntima que ela inventou os apelidos “pepekudas e pepekudos”, que pegaram imediatamente e também lançou o livro “Os Bastidores do Sex Shop”, em 2017, contando as aventuras divertidas e bizarrices das assíduas. “Sempre fui à frente do meu tempo e muito curiosa. Quando caí nesse universo, me achei”, diz ela, que estudou até a 8ª série e não tem formação como sexóloga, mas é PHD em relação com as pessoas.
Como surgiu a ideia de uma assistência técnica para vibradores?
As pessoas vinham na loja querendo um igual, que estragou. Geralmente, os modelos não existem mais; daí elas compravam outro e sempre perguntavam sobre conserto. Isso vem acontecendo há muitos anos, mas tinha receio de perder as vendas. Este ano me apresentaram um rapaz que mexia com eletrônica; de 100, ele conseguiu arrumar 80. Ficamos passados com a procura do serviço.
E deixou de vender?
Muito pelo contrário. Quando a pessoa vem aqui, ela fica de olho em outras coisas e acaba levando outros produtos. Uma mulher chegou aqui e o consolo dela parecia um alien; não adiantava nem fazer avaliação, e já saiu com outro. Também atendemos os produtos estragados de outras lojas. Primeiro eu olho o estado do aparelho para ver se vale ou não a pena. Para algumas pessoas, vibrador é coisa séria, de paixão, apego – alguns têm até nome: João, Arnaldo, e com a vantagem de que eles sabem chegar ao Ponto G sozinhos.
Quais os defeitos mais comuns?
Sempre é o motor que quebra depois de tanto uso porque é sensível. Se for um que vale R$ 800 e eu cobrar R$ 100, vale a pena, mas se for um de R$ 50, melhor trocar. Aí é que as vendas aumentaram.
O perfil do consumidor de produtos eróticos mudou?
Antes atendíamos muitos homens, que compravam VHS, DVDs e revistas especializadas. As mulheres iam para tentar um encontro com eles; com a Internet, eles sumiram. O mercado erótico teve que mirar a mulher e começou a se fazer muitos vibradores e gel. A mulherada começou a perceber que o sex shop virou uma loja onde ela pode comprar lingerie, para apimentar a relação. Hoje, tenho 80% de público feminino, 15% de gays e lésbicas e 5% de homens. A mulher hoje vai para salvar o casamento, apimentar a relação ou simplesmente se virar sozinha.
E funciona?
Quando elas procuram para salvar o casamento, é porque a coisa já desceu ladeira abaixo. Quando o casamento está na UTI (Unidade de Tratamento Intensivo), o povo quer ir atrás do prejuízo; daí eu falo: “Peraí, palhaçada você achar que um gel para colocar na xoxota vai resolver. Procura quando está bom, não quando esfriar”. É aí que tem que usar nossos produtos. Meu sex shop não vai salvar casamento. Nem vendo o produto porque é capaz de ela falar que é ruim.
Mas já teve casos de salvar relações?
Já, mas quando os dois ainda estão querendo. Tenho uma cliente há oito anos que veio aqui porque a relação estava fria, e ela não sabia mais o que fazer. Falei sobre lingerie, e a primeira coisa que ela perguntou é como lavar. Mostrei um vibrador, a mesma coisa. Tudo ela tinha a questão da higienização. Depois de muita conversa, ela contou que, na hora em que estão transando, ela parava a relação para limpar até aquele liquidozinho que sai antes do esperma. Que homem aguenta isso? Ela era a culpada, mas teria que ir a um psicólogo. Essa mulher até hoje é minha melhor cliente, e a relação dela está ótima, mas não foi de uma hora pra outra. Os dois trabalharam juntos.
Qual o diferencial do seu sex shop?
O atendimento personalizado. Adoro conversar e entender as pessoas. Depois da crise (em 2014), eu sumi da loja por um mês e fiquei rodando outros sex shop de São Paulo, Brasília, Estados Unidos, Dubai, Índia, e fui anotando tudo o que eu não queria. Fiz uma cartilha, e o segredo sempre era o atendimento. Fui para Miami, conversei com o dono de uma loja e fiquei 15 dias trabalhando lá, para ganhar experiência. Depois fui para Amsterdam, mais 15 dias, e deparei novamente com atendimento ruim. Então peguei minhas vendedoras e ensinei que elas precisam tirar tudo de um cliente. Estou com seis vendedoras, além de mim e da minha sobrinha.
Qual a evolução dos clientes nesses anos?
As redes sociais ajudaram a mulherada a se conhecer. Elas estão mais atentas, se tocam mais e não exigem tanto do parceiro. Não vão pra cama esperando que o cara faça-as chegar ao orgasmo. O grupo de mulher que quer se conhecer é o que procura o sex shop. Quanto mais informação passar pra elas, mas elas te seguem.
Quais são os campeões de vendas?
Para elas, vibrador clitoriano, porque, para muitas, é muito difícil gozar com introdução. A vida inteira, a mulher tentou e não conseguiu, daí digo para ela levar um desses, tomar um vinho, colocar um Wando no som e tocar o clitóris. Não tem como não gozar. Para eles, é masturbador e gel para retardar ejaculação – porque o homem se garante no pau; pra eles, é tamanho e tempo. Os meninos não aprenderam a fazer sexo ainda.
Alguma história esquisita?
O que rolou, mas achei excitante e esquisito, foi uma mulher que entrou e pediu uma calcinha bem pequena. Mostrei um fio-dental, mas ela queria menor para colocar na xana. Não entendi, mas ela explicou que era submissa e tem um companheiro que mandou uma mensagem e pediu para ela colocar a calcinha dentro da xoxota. Ela foi ao banheiro, colocou e mandou uma mensagem pra ele. Eu achei o máximo esse jogo de sedução e bizarro também. Teve uma japonesinha também que falou que não tinha clitóris. Eu peguei todas as xanas de borracha para mostrar o lugar e ela continuava negando. Peguei, abaixei a calcinha e mostrei o meu. Ela continuou negando. Pedi a ela para me mostrar o dela e realmente ela tinha o clitóris reverso, para dentro. Eu nem sabia disso e aprendi mais uma coisa. Ela levou uma bombinha de sucção. E tem a dona Isaura, de 78 anos, que dorme com vibrador ligado e se desligar ela não dorme. É minha cliente de pilhas.
Você é casada? É piloto de teste dos seus produtos?
Deus me livre. Fui casada uma vez, e a gente aprende com as burrices da vida. E, claro, tem que aprovar os produtos. Por que não caso? Sou bem resolvida sexualmente; não tenho paciência para homens. Tenho muita coisa para fazer.
Falta muito para as pessoas evoluírem sexualmente?
As pessoas ficam preocupadas com a opinião do outro; não estou nem aí. Falta muito para as pessoas se reinventarem, muito para sair de dentro da caixinha, porque há quantos anos a gente fala de sexo? A vida inteira, e ainda têm vergonha. No sex shop, eu desmistifico o achismo.
numero:13 Novidades para este ano?
Um novo livro, ‘Histórias de aplicativo’, sobre os encontros pela Internet, que deve ser lançado em cinco meses. São os melhores casos que escutei das clientes. O engraçado é que as pessoas acham que só os homens mandam fotos de pau e fazem propostas indecentes. A mulherada está bem abusada: mandam nudes e falam loucuras. E a maioria deles não encontra ninguém que valha a pena. O que quero mostrar é isto: relação virtual é como ganhar na MegaSena; uma hora você encontra alguém, mas é difícil porque os aplicativos viraram um cardápio de sexo.