Atualmente assinando o figurino de “Verão 90”, nova novela das sete da TV Globo, Marília Carneiro tem chamado atenção dos telespectadores além da trama. Numa novela de época, o figurino é protagonista e tem um papel fundamental na dramaturgia. Marília é o nome por trás da criatividade do que tem sido visto no ar: buscou inspiração e referências nas décadas dos anos 80 e 90 e em personagens, como Madonna, por exemplo; está homenageando Gisella Amaral, sua amiga que morreu recentemente, nas roupas de Totia Meirelles; e em Sophia Loren e Claudia Cardinale para Débora Nascimento.
Há 46 anos, MC, apesar de a profissão ter tudo a ver com estética, ela enxerga muito além das aparências. Por ser uma filósofa culta, sensível, consegue retratar até o estado de espírito de uma personagem pelo jeito que a veste, tendo conseguido trazer moda criada por ela das novelas para a vida real. Entre seus muitos trabalhos, estão as minisséries “Anos Rebeldes” (1992), “A Casa das Sete Mulheres” (2003) e “Maysa” (2009), bem como as novelas “O Clone” (2001), “Celebridade” (2003), “Páginas da Vida” (2006) e “Caras & Bocas” (2009).
Carioca da Zona Sul do Rio, filha de um banqueiro e de uma dona de casa, irmã da atriz Maria Lúcia Dahl, Marília começou nas novelas em 1973, levada para a Globo pela atriz Dina Sfat para vesti-la em “Os Ossos do Barão”. Portanto, faz tempo! Aqui, ela fala também do casal presidencial Michelle e Jair Bolsonaro, cujo figurino foi já foi comentado aqui no site. Quanto à Marília, pergunta se ela jamais soube o que significa crise-de-originalidade? Nunca.
O que há com o figurino de “Verão 90” – já tão falado?
Nada como um passado recente para despertar um enorme sentimento de nostalgia na gente. É uma alegria com uma pontinha de saudade do que já passou e não volta mais. E esse sentimento alegre, sofrido, nos faz gostar de olhar um passado em que as alegrias ficam vivas e as tristezas, muito amenizadas pelo tempo.
De lá pra cá, o que mudou em termos de comportamento – tudo parece encaretando mesmo?
Acho que a culpa é do ‘politicamente correto’, exageradamente invocado, tirando um pouco da nossa espontaneidade e do nosso humor. Respeito é um sentimento fundamental, mas repressão é muito desagradável . Acho que não havia, nos anos 90, dois sentimentos: medo e repressão. Saímos de uma longa e castradora ditadura, e o sentimento dos 90 era que mais nada de mal nos aconteceria. Também não existia o calvário da violência urbana e éramos livres da severidade de um regime de força. Ipanema era uma explosão de cores e de liberdade. O topless começando nas praias, a asa delta imperando nas jovens beldades; tudo era ou parecia ser uma festa. Era proibido proibir, lembram? E é nessa onda de otimismo que se movimentavam os cítricos, os plocs, as lycras, as cores.
Dos anos 80/90, o que você puxaria para o guarda-roupa atual?
As calças mais altas, as camisetas escritas com recados ousados, os tênis de plataforma e o informalismo das ruas.
Atualmente, as pessoas costumam misturar tudo, com referências em décadas. Acredita que exista atualmente uma moda autoral, original?
A moda é um eterno vai e volta, mas acho que hoje se vê nas ruas realmente uma boa pitada dos 90, sobretudo nos jovens. Já se vê o fio dental nas praias, as camisetas amarradinhas com nós e os shorts de cintura alta, às vezes, até, com cintos complementando o visual.
Existe muito isso de o ator se apaixonar pelo que o personagem anda vestindo e querer levar para si mesmo? Alguma história divertida?
O bom figurino costuma encantar e influenciar os atores, sim. No momento, por exemplo, estou achando o meu amado Jesuíta Barbosa bem apaixonado pelos seus looks de linho, com as calças mais largas. Acho que o figurino dele vai influenciar os antenados. O rico descontraído é um look realmente bem irresistível.
Você percebe alguma mudança dos figurinos urbanos, trazida pela crise?
Não sei se seria a crise somente a responsável, mas nunca se viu tanto sucesso nos brechós da cidade.
Analise o casal Jair e Michele Bolsonaro. Veste-se bem?
Sob o ponto de vista da moda, são duas figuras muito ao gosto da Barra da Tijuca, que é totalmente diferente do das ruas de Ipanema, Gávea, Jardim Botânico ou Leblon. Como especialista, jamais confundo a turma da Barra com a turma da Zona Sul. Existe um relaxamento muito especial nas pessoas de São Conrado para baixo. São as calças largas, os vestidos, a falta dos saltos altos, as bolsas moles e, sobretudo, a ideia de que a pessoa está indo da aula de ioga para um jantarzinho de bairro, sem passar em casa para a troca de roupa. Os moradores da Barra são muito mais influenciados pela moda esportiva de Miami. As pessoas capricham mais na combinação dos acessórios, nas bolsas de grife, nas sandálias altas, nos conjuntos caprichados de malhação. Isso tudo e mais todo o loiro dos cabelos são as características das mulheres da Barra. Nossa atual primeira-dama é um belo exemplo de tudo isso, com seu vestido exclusivo em tom discreto, seus cabelos mechados e seu sorriso saudável. O presidente também não me parece muito seguidor de modismos – lembra mais um americano médio, com seus ternos discretos. Eles são maravilhosos representantes desse grupo urbano que formou a nova Barra.
Quem, da política, que está na vitrine, você diria que se veste bem? O governador do Rio (Wilson Witzel), sempre preferindo os uniformes formais e militares em eventos?
O nosso governador não me parece nenhum tipo especial de elegância. Acho que essa não é a praia dele.
Até onde aparência é tudo?
A aparência é muito ligada à filosofia de quem a escolhe. “O hábito faz o monge”, e “Diz-me o que vestes e te direi quem és”. – acredito em tudo isso. O que me parece fundamental na elegância é o conforto: ou a pessoa está muito bem na própria pele, ou não existe elegância. Elegância não tem propriamente a ver com gosto tradicional ou mesmo magreza. Ser elegante é saber levar bem a roupa.
O que pode sinalizar alguma chiqueria em alguém?
Chiqueria é um mistério que uns têm; outros, não. Talvez um dom.
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