Pense em alguém com sonhos ilimitados. Sim, Hans Donner, o designer criador do logotipo mais famoso do Brasil, o da TV Globo, e de inúmeras aberturas de novelas e programas, com tanta arte e sensibilidade, lança, na próxima terça-feira (31/07), também data dos seus 70 anos, o relógio Onne, na página oficial. O relógio, sem ponteiros, parece ter um vínculo com o silêncio, com a calma, como que criando uma comunicação particular de cada um com o seu tempo, analisado por Hans, sempre de maneira poética – em sua visão, nenhum instante surge por acaso. É um relógio que jamais poderia ser chamado de acessório, até pelos 32 anos dedicados à sua criação, além de realçar, na cabeça de quem usa, outros sentimentos. Foi fabricado em parceria com o chinês Wayne Leung, fundador da empresa de tecnologia Tappy (também parceiro de marcas, como a Mondaine, Technos e SAGA), com display em oito tonalidades. “Depois de um ano, encontramos o ‘cara’, o único ser capaz de transformar a ideia do Hans num negócio real”, diz Aldo Wandersman, CEO do Grupo Hans Donner.
Foi ele também quem encontrou o nome Onne, tirado de dentro do nome Donner. Aldo criou um site de pré-reserva antes do lançamento, cuja procura é de 60% do público feminino. Para o rosto da marca, foi escolhida a modelo Abigail Ormeno, ex-miss Peru, e Mariana Goldfarb para ações online. Hans, alemão naturalizado brasileiro, conta um pouco de si, um pouco do relógio, um pouco de ambos, que, em alguns momentos, viram quase uma coisa só. Hans, que ficou 40 anos na maior TV brasileira (até 2016), já é tão local que até metralhadora na cabeça já teve, ao ir a um compromisso com pessoas da escola de samba Mocidade Independente de Padre Miguel; por um erro do Waze, foi parar numa favela. Apesar de a cena ter sido recente, ele nem pensa mais nisso; só deseja que as oportunidades sejam eternas. E pelo seu relógio, não quer marcar nem anos, nem horas, nem minutos, e sim os momentos.
Como é perseguir um sonho por 30 anos?
Quando se persegue um sonho por 30 anos, você não escolhe isso. Se o homem tem uma ideia e a transforma em produto ou realidade, ela pode transformar o tempo. Ele pode lutar, quem sabe, por dois, três ou até 17 anos, como Einsten. No meu caso, foram 30 anos – não é um projeto, mas uma missão. Você é escolhido. E, com certeza, depois que saí da Europa e segui meu destino pra encontrar com Walter (Clark) e Boni (de Oliveira). Foi necessário encontrar, sim, com o Boni, visionário, que dizia: ‘Voa, não se preocupa com dinheiro. A única coisa que eu quero é que você seja o melhor do mundo.’
Como surgiu a ideia do relógio?
Em 1986, eu estava em Paris, e tudo foi se encaixando. Acreditei num sonho e fui empurrado a cada instante. Tive de esperar e comecei a subir essa montanha muito íngreme até o encontro com essa evolução tecnológica. Na mesma Paris, onde um brasileiro fez sair do chão, sem catapulta, seu protótipo de avião, sendo depois colocado à sombra por americanos, a ponto de se suicidar (Santos Dumont). Na mesma Cidade Luz, Cartier, amigo do Santos Dumont, colocou um dos primeiros relógios no pulso, que virou os marcadores dos homens em todo o mundo. E foi na capital francesa que eu tive a inspiração de pensar em como Deus fez nosso tempo maravilhoso, claro e escuro, dia e noite, em diferentes tonalidades.
E a persistência?
Deus me deu paciência e persistência para ter a energia, a liberdade financeira e criativa para a tecnologia chegar, os chineses chegarem. É uma chance, em 70 bilhões, de encontrar esse chinês para desenvolver o meu filhote mais querido do design. Jamais teria a estrutura como a Rolex, a Patek Philipe; jamais teria bala na agulha para fazer uma campanha mundial. Já vi um lançamento monstruoso – só um dos estandes custava 600 milhões de euros.
Fale do tempo do relógio e do Hans, que comemora 70 anos no dia do lançamento.
Quando olho pela janela da minha sala, no Leblon, vejo todos os meus encontros com Tom Jobim, os momentos incríveis que tive no Rio – fui um gringo muito bem recebido nesta cidade e pude ver um pouco além do carnaval, que não é mais como antigamente, ou seja, o tempo comeu alguns momentos. Antigamente, as pirâmides do Egito serviam para marcar o tempo e brevemente não vão existir mais. Trinta e dois anos é quase a metade da minha vida, o tempo que o meu pai viveu (ele morreu com essa idade). Agora, imagina se o tempo tivesse passagens suaves, como o relógio do sol, o sol iluminando nossa Terra? Nem pretendo comemorar os 70 anos. Eu pretendo esperar pra ver se o mundo e alguns brasileiros vão vir para abraçar essa ideia. E se me pergunta como estou me sentindo com 70 anos? Com um gás de alguém que sonha alto. Alguém que sonha renascer com o novo tempo.
Já pensou em deixar o Brasil em algum momento?
Pelo contrário, se eu tivesse a grana que foi conseguida dos anos trabalhando na TV Globo, eu iria presentear todos os brasileiros com um exemplar do meu relógio, um por um, porque eu quero retribuir ao Brasil. Alguém que ganhou o melhor emprego e realizou todos os sonhos profissionais e pessoas num país só quer ter uma coisa: uma chance de retribuir.
No ano passado, você sugeriu mudar a Bandeira do Brasil (em tons degradê e com a frase “Amor, ordem e progresso”), e o projeto fez sucesso na rede, tanto em elogio quanto em zoação. Acredita que ficaria melhor o seu design da Bandeira?
Eu me casei com a cor do Brasil, eu gerei vida com a cor do Brasil. Gozaram porque não queriam me entender. Como disse, eu sempre quis retribuir todo o amor que o Brasil me deu. O País precisa de mais amor porque estamos no fundo do poço. Cheguei aqui com uma mão na frente e outra atrás, sem falar uma palavra em português, e conquistei o melhor emprego de designer na melhor televisão do mundo. Encontrei o Boni e transformamos a TV Globo.
E como será o desfile da Mocidade que tem a ver com a sua criação?
O tema é “Eu sou o tempo. Tempo é vida” (Hans fez parceria com o carnavalesco Alexandre Louzada para o enredo de 2019). Vamos entrar às 7h da manhã, e pretendo fazer meu design fechar a Avenida, revelar às pessoas o novo tempo.
Pensa em fazer uma biografia?
Já fiz um livrinho, que a Globo dá de presente pra todos os empresários; até Bill Gates já recebeu. Um dia, perguntaram a ele: “Você conhece um designer que se chama Hans Donner?” Ele falou: “É aquele lá do Brasil, que fez um prédio torcido?” Em 1985, eu criei o prédio parafuso (que não saiu do papel) e, em 97, estava no livro. Não vou fazer mais um livro para mostrar como cheguei à Globo, como foi minha vida, como sonhei em fazer design, como encontrei as pessoas, como encontrei a Isadora (Ribeiro, ex-mulher), a Valéria (Valenssa, atual mulher). Óbvio que meu livro não vai ser esse, mas já tem até nome: “A biografia do novo visual do tempo”. A minha vida não importa. Eu sou um mero canal, mero instrumento para o Brasil ter uma cara diferente, ter uma chance de sair dessa.
Que mensagem você mandaria aos usuários do relógio?
Viva seu tempo!