Anunciada como a maior operação já feita pela Polícia Federal, com mais de mil policiais envolvidos, a Carne Fraca, lançada sexta-feira (17/03), deixou os acusados e a população consumidora de carne em pânico. Entre os citados no esquema de venda de carne ilegal e fraude na fiscalização sanitária estão empresas gigantes como a JBS e a BRF. No documento da PF, os recursos usados para enganar o consumidor causaram horror: ácido ascórbico para disfarçar o gosto de carne podre, papelão misturado ao frango e carne moída, pedaços de cabeça de animais e carnes usados como recheio de salsichas e linguiças e produtos vencidos reembalados.
Primeiro consultor do país em gerenciamento de crises, o jornalista Mário Rosa fala ao site sobre o assunto. Além de ter assessorado corporações como o Grupo Cassino, CBF, Ambev, Grupo Iguatemi, OAS, Camargo Corrêa e Opportunity e vários políticos, Rosa é, também, autor de livros sobre imagem e reputação. O último, “Memórias de um Consultor de Crises – Entre a Glória e a Vergonha”, vai ser lançado em abril, no Salão Negro do Congresso Nacional.
Foto: Dida Sampaio/Estadão
Qual a gravidade, para a imagem das empresas envolvidas, da Operação Carne Fraca?
“Esse é o maior inferno que uma empresa pode passar. Numa escala de pandemônio, seria o grau 10. O dano causado à imagem envolve milhares de empregos, valor de Bolsa, interfere na realização de negócios em curso, sem falar que são empresas globalizadas, que estão sendo atacadas no Estado em que têm suas sedes, imagine o que as concorrentes não se sentirão aptas a fazer. O ataque está sendo feito ao maior símbolo de credibilidade, que é a segurança alimentar.
Não há ninguém, em sã consciência, que possa acreditar que uma empresa desse porte aja como organização criminosa, que use como matéria-prima a carne podre. É claro que temos de apurar responsabilidades, mas não veio à tona no primeiro momento o nome de um grande executivo, de um diretor de abastecimento, os problemas apontados foram em abatedouros, na raia miúda. Não houve equilíbrio na acusação”.
Acha que a Polícia Federal errou?
“Não posso fazer essa afirmação contra a PF, não tenho essa pretensão, mas penso que a responsabilidade de acusação, quando envolve problemas de consenso popular, é muito grande. Acredito que o nível de maturação para se chegar a uma acusação pública desse porte tem que ser praticamente indiscutível, com provas definitivas e inquestionáveis. É muito diferente quando se delata um crime de colarinho branco, um político corrupto, um operador financeiro.
Nesses tempos de hiperdemocracia, de hiperdebate de tudo, pode-se discutir em público assuntos dessa natureza com a mesma liberdade? Você pode ficar com raiva se o PT roubou, mas não vai entrar em pânico, como está acontecendo nesse caso, que envolve produtos consumidos por milhões de pessoas. Some-se a isso o fato de que a questão foi exposta pelo mais mocinho de todos os mocinhos, a estrela de cinco pontas da Polícia Federal”.
As empresas demoraram a reagir?
“Sim, nos seus bons tempos, o Joesley Batista teria ido logo para a linha de frente (nota do site: Joesley Batista é o presidente do conglomerado J&F, que controla a JBS, e está sendo investigado pelo Ministério Público Federal na Operação Greenfield, que apura prejuízos em fundos de pensão). O Abílio Diniz (presidente do Conselho de Administração da BRF) deveria ter feito declarações genéricas, pelo menos, de defesa dos valores e princípios da empresa, mas pode não ter querido falar por todo mundo.
Nessas horas, nem tudo o que o manual manda fazer é admissivel na prática, não sabemos das pressões de bastidores, ele pode ter recebido “recados”, de quem tem o chicote na mão, para não exagerar. Pode, também, ter optado por não falar por não ter o conhecimento total do inquérito. Volto a falar que o exagero na acusação beneficia, inclusive, o culpado, serve para relativizar o erro real, joga uma cortina de fumaça que leva o apontado a se fazer de vítima”.
Você acredita que o brasileiro vai parar de consumir carne por um tempo ?
“O consumidor brasileiro tem um convívio antigo com essas marcas nas gôndolas, é uma relação sólida que não se desfaz de uma hora para outra, as marcas estão no seu imaginário há décadas, não existe isso de parar de comer carne. O que vai aparecer, com o tempo, é que a acusação extrapolou”.
E os artistas que fizeram publicidade para essas marcas, como ficam?
“Ídolo é ídolo, não vão ter suas imagens abaladas. Na pior das hipóteses, vão romper seus contratos, que, aliás, têm cláusulas nas quais as empresas garantem a qualidade dos produtos. Eles podem alegar que também foram enganados. Por outro lado, não é bom para o artista a ideia de trair a empresa à primeira crise. Com certeza, os comerciais antigos, em que aparecem, vão parar de passar”.