Guilherme Guimarães morreu mais ou menos às 2h da manhã deste sábado (24/12), aos 76 anos, de câncer no fígado, no Hospital de Ipanema. Foi um dos maiores nomes que a alta-costura brasileira teve; segundo Danuza Leão, “nunca houve outro igual”. Por mais de cinco décadas, vestiu as mulheres mais elegantes do País, tanto quanto as noivas mais incríveis. Foi o símbolo de uma fase da chiqueria (quando isso existia).
Gaúcho, mas carioca como poucos, começou trabalhando na Casa Canadá, no Rio, e seguiu independente. Nos EUA, sua carreira teve como madrinha Loretta Scanell, diretora da revista “Town & Country”. No seu regresso ao Brasil, já estava consagrado. Convidado pela Rodhia, criou modelos com os tecidos sintéticos e participou da Coleção Brazilian Look, apresentada pela empresa no Brasil e no exterior. Nos anos 70, acabou rendendo-se ao prêt-à-porter: lançou jeans, óculos e camisas masculinas com a grife GG. Sua moda foi vendida para o exterior (EUA e Alemanha) – vestiu a maioria dos grandes nomes. Trabalhou, também, para a Christian Dior no Brasil.
Morando na praia do Russel, primeiro comprou um apartamento térreo, depois, o segundo andar, e fez uma escada, transformando num dúplex, de incrível bom gosto, todo decorado por ele, com muita obra de arte (adorava frequentar leilões). Mesmo assim, enquanto existia o Hotel Glória, sempre dormiu lá, mantendo a casa impecável – detestava desordem. Ativo, inteligente, bem-humorado, raciocínio rápido, gentil, polido, tinha atelier no Rio e em São Paulo. Dentre as curiosidades da sua personalidade, destacava-se a de gostar muito de deixar cartinhas na porta da casa das amigas. Sempre preferiu não ter carro, não ter som, não ter celular, não ter fogão – invariavelmente, comia na rua – preferia evitar cheiro de comida, apesar de adorar a gastronomia. Na geladeira, só muito gelo, vodka e champagne. Era religioso de frequentar igreja, rezava toda noite antes de dormir, de um jeito discreto, mas com muita fé.
Sua última entrevista foi aqui para o site, em fevereiro deste ano, quando comentou, entre outras coisas: “Lutar neste país mata qualquer um; está uma recessão sem tamanho. Todo mundo anda com medo até de casar – as pessoas estão inseguras, chega a esse ponto.”
Veja o que dizem algumas das suas grandes amigas: Danuza Leão, Carmem Mayrink Veiga e Lilibeth Monteiro de Carvalho.
Danuza Leão: “O Guilherme foi uma das pessoas mais presentes na minha vida. Há pelo menos 15 anos, íamos juntos para a Europa; era meu companheiro de viagem. Era uma pessoa muito sensível à beleza. Lembro bem um dia quando chegamos ao restaurante Yakult, no Marrocos: ele achou tudo tão bonito que começou a chorar. Sempre foi o costureiro mais chique de todos os tempos, nunca houve nenhum igual. Foi absoluto entre todos por, pelo menos, cinco décadas – por ter começado muito cedo. O maior nome que o Brasil já teve. Além de eu ter perdido um amigo, perdi meu interlocutor, porque tinha coisas que eu só podia falar com ele, porque só ele lembrava. Não tenho mais com quem falar… A casa do Guilherme sempre foi um deslumbramento, toda decorada por ele. Seu bom gosto era em todos os setores – nasceu com esse dom. Não vou dizer que é um ciclo que se fecha, porque esse ciclo se acabou faz muito tempo, mas, com a morte do Guilherme, é o encerramento definitivo do glamour. É como se tivesse passado a chave; é mesmo o fim, como num filme.”
Carmem Mayrink Veiga: “O Guilherme foi, durante anos, meu grande amigo, nos adorávamos. Não era coisa social; ia muito além disso. Pra viver doente, acho que ele preferia morrer de uma vez a se ver ou se saber jogado numa cama. Eu, já não estando bem de saúde, hoje piorei, estou péssima, arrasada.”
Lilibeth Monteiro de Carvalho: “Fiquei muito triste com essa notícia. O Guilherme foi um amigo da minha família de todas as gerações e sempre foi muito ligado à minha mãe (Evinha). Ele nos vestia em todas as grandes comemorações, como nos casamentos dos meus filhos. Minha mãe passou isso pra mim. Guilherme foi uma das pessoas mais educadas e talentosas e trazia em si a elegância – essa elegância do século que passou. Ao mesmo tempo em que fazia uma moda simples, sem querer mostrar ou ostentar, tinha uma postura própria. Sempre falava das viagens que fazia com a Danuza pra Europa – era uma das coisas que mais adorava. Ele passou por tantas mudanças, mantendo uma elegância atemporal.”