Rosamaria Murtinho entrou para o teatro por acaso aos 18 anos: uma atriz ficou doente pouco antes da estreia de uma peça do grupo amador de seu irmão, Carlos Murtinho, e então o diretor intimou Rosamaria a atuar; ele era ninguém menos que o jornalista Paulo Francis. Depois disso, nunca mais parou, e isso não é só força de expressão. Na Globo, ela começou na novela “O Santo Mestiço”, em 1968, e já perdeu a conta de quantas novelas fez – foram mais de 50. Participou de poucos filmes, mas com um deles, “Primeiro de Abril, Brasil”,recebeu o Kikito de Melhor Atriz do Festival de Gramado. No teatro, seu currículo é extenso. Está em cartaz na peça “Doroteia”, apontada pela crítica como um dos melhores espetáculos do momento, e sua atuação, elogiadíssima. O espetáculo fica até o fim deste mês no Teatro das Artes, na Barra; de lá, segue para algumas viagens pelo Brasil; depois devem ir pro Imperator, no Méier. Aos 60 anos de carreira, a paraense de Belém, que veio para o Rio com 3 meses de vida, é conhecida também por sua intensa vida social. Casada com o ator Mauro Mendonça desde 1959, com um intervalo de oito anos de separação, Rosamaria é uma das atrizes mais queridas, mais espontâneas e de mais alto-astral do país.
O que você achou da volta do Ministério da Cultura?
“”Estou tristíssima com a volta do Ministério da Cultura. Como Secretaria, ao lado da Educação, não teriam coragem de mexer na Cultura, porque estaria atrelada a um ministério forte; não seria joguete na mão do executivo. Claro que depende também do ministro. O Juca Ferreira não era um bom ministro; já no Marcelo Calero tenho esperanças – é diplomata, fala diversas línguas e é competente. Não creio que ele vá se deixar levar pra derrubar a Cultura. Com isso de terem resolvido que idoso e estudante paga metade, significa que 80% do teatro pagam a metade. Diante disso, a bilheteria não segura – o teatro está lotado, mas a maioria está pagando meia entrada. E o ministério não repõe pros produtores essa lei feita sem a nossa colaboração. Tenho vontade de chegar ao restaurante ou a uma loja e dizer que vou pagar metade do que comprar ou comer. Foi o que fizeram com nós, artistas e não complementam. Tenho que trabalhar por metade do preço.”
Você está vivendo no teatro a feia e velha Flávia, em “Doroteia”, de Nelson Rodrigues, mas sabemos que você é muito vaidosa. Que cuidados com a aparência vc costuma tomar? E que tipo de tratamento de beleza nunca faria?
“”Antes da peça, disse ao Jorge Farjalla (diretor) que me desconstruísse, já cansada de fazer grã-fina. Sou de família de magros – quando era novinha, tomava café com leite antes de dormir pra não ficar mais magra ainda. Não tenho facilidade de engordar, o que é uma vantagem. Meus cuidados são tratamento de pele, botox entre os olhos, e preenchimento, com a Doris Hexell. Fiz também uma plástica há muito tempo. Não usaria botox na testa, atriz precisa de testa. Mas, há dois anos, foi que senti o que é ser velho quando um jovem ator ficou chocado ao saber que eu tinha Instagram. Morri de rir e perguntei: ‘Velho não pode?'”
A que vc atribui esse grande sucesso de público? “Doroteia” não é propriamente uma comédia…
“Foi um conjunto de coisas. A peça serve pra homem e mulher, digamos assim: mulher gosta de ver homem nu, homem gosta de ver mulher nua – evidentemente fazendo parte da história. A direção do Jorge Farjalla é maravilhosa, as atrizes são todas muito boas, a Letícia Spiller está incrível, a Alexia Dechamps, de tão boa, está irreconhecível em cena, até pelas amigas. Há muitos anos não estive num grupo tão amigo como nessa peça. São diversos sentimentos, que deixam as pessoas encantadas.”
Você foi jovem numa época maravilhosa do Rio. O que a praia tinha de diferente?
“”A coisa que tenho mais saudade é da praia de Ipanema; quando a gente pisava na areia, fazia um barulhinho, a água era tão limpa que dava pra ver o esmalte do pé. Em criança, eu morava na Atlântica; aos 9 anos fui pra Ipanema. Sou verbete do Ruy Castro no livro ‘Ela é carioca’ (do Ruy Castro) e fui musa do Rubem Braga. Acho isso bacana porque representava uma época de Ipanema quando éramos felizes e sabíamos.”
Você já declarou sobre seu casamento com o Mauro Mendonça que o motivo de estarem juntos deve ser porque vc se acostumou com o cheiro da cueca dele e ele com o da sua calcinha. O sexo sempre foi muito importante para vc?
“”Ficamos separados alguns anos, mas casamos apaixonados, o que é uma delícia. Queríamos ter uma família e uma carreira. A sexualidade vai mudando – ninguém com 80 tem a mesma coisa do que quando mais jovem; tudo vai evoluindo pra uma coisa profunda, madura e verdadeira. Na minha idade e na do Mauro, isso basta. Existem também os brinquedinhos eróticos que ajudam.”
Costuma aceitar a maioria dos convites para festas que recebe? O que acha da mulher que só sai de casa se tiver companhia?
“Vou a qualquer coisa sozinha; não preciso de homem do meu lado pra fazer nada. No nosso casamento, sempre fomos independentes: tenho o meu dinheiro, ele tem o dele, e temos dinheiro pra nossas casas, no Rio, em Angra, ou onde for.”