Com a volta dos arrastões às praias cariocas, viralizou na internet o vídeo “Os pobres vão à praia”, uma produção dos anos 80 da extinta TV Manchete. A grande surpresa foi a reação atual de uma das entrevistadas da época, a então estudante Ângela Moss, que diz, no filme, ter horror a pobre, “uma subraça”. Dentre outras coisas, Ângela era favorável à cobrança de entrada para as praias da Zona Sul: “Não pode tirar o pessoal do Méier, do Mangue, e levar à praia em Copacabana…É sujeira você colocar as pessoas que moram em Ipanema do lado de uma monte de gente que vai dizer grosseria, comer farofa com galinha, vai matar as pessoas de nojo!”.
Formada em Direito e Filosofia e dona da editora Nau, Ângela, agora com 47 anos, colocou a cara à tapa. Embaixo dos comentários recentes sobre o vídeo, ela escreveu: “Eu era uma criança retardada e com pouco conhecimento. Fico feliz que as pessoas fiquem indignadas com esse vídeo. O que me perturba mesmo são as muitas que me escrevem dando os parabéns. É importante notar que o vídeo foi editado para parecer pior do que é. Mas não há como negar: essa é a face triste de uma sociedade sem compaixão e egoísta e, sim, um dia já foi a minha face. É triste, mas do alto da minha idade atual me orgulho de ver como eu era menor e em quem eu me transformei”.
Ângela teve que desligar, essa semana, seu telefone fixo. Ela diz que está recebendo muitas ameaças de morte, mas não se arrepende de nada. Saiba mais:
Ângela, na época do vídeo você realmente tinha nojo de pobre? Você costumava circular pela Zona Norte carioca?
“O que eu realmente odeio é gente mal educada. Tenho horror a gente que fala alto, que joga sujeira no chão etc. Agora, um erro que se comete com muita frequência é associar falta de educação a pobreza. É nesse momento que o preconceito aparece. Já cometi muito esse erro. Hoje em dia vejo claramente que a percentagem de rico mal educado é muito maior do que a dos que têm menos grana. Educação é respeitar o espaço alheio, antes de tudo. Educação é pacto social, respeitar o outro. Quer falta de educação maior do que acumular dinheiro em detrimento do outro? Ter mais do que se precisa? Se achar melhor do que os outros porque tem mais? Isso tudo é uma grande falta de educação…
Você afirmou que o vídeo foi editado para parecer pior que é. Alguma vez teve oportunidade de conversar com o Nelson Hoineff (diretor do vídeo)?
“Tentei contato com o Hoineff, mas não obtive resposta. Na época, alguém da Manchete me disse que eu havia dito coisas e isso me colocou nessa situação kafkaniana: eu não tinha como saber. Eu me lembrava vagamente de ter dado uma aula de sociologia e respeito no final do vídeo. Até que alguém que viu a filmagem completa entrou em contato comigo esta semana, via Facebook. E disse que, sim, eu tinha feito um discurso também de solidariedade, que era claro que meu vídeo tinha sido editado para eu parecer uma fascista. E mais: eu sempre tive um jeito provocador. Então a pior parte do vídeo sou eu numa praia tentando provocar o repórter, que mentiu para mim dizendo que o vídeo era para um trabalho na PUC. Claro, eles ganharam vários prêmios com isso – melhor deixar todo mundo pensar que ela é uma fascista e assim a gente garante o prêmio em cima da idiota. A única coisa que eu lembro é que eu era babaca. Daí achar que eu podia mesmo ter falado merda. Só esta semana eu tive essa resposta do cara. Passei anos com essa culpa monstra!”
O que aconteceu de mais determinante na sua vida para você mudar tão radicalmente de pensamento?
“Pela resposta anterior já se pode ver que eu não mudei tão radicalmente de pensamento. Mas é o que importa, não é? A sociedade quer ver um ser chapado, sem cores: ou preto ou branco. Quer um rótulo, não uma pessoa. Então, ou bem eu sou uma fascista ou bem eu sou um caso de redenção. Ninguém está interessado em saber que eu sou humana, com falhas, que diz besteiras impensadas, que eu não sou um polo ou outro, sou o caminho do meio!”
Você é filiada a algum partido político?
“Não sou filiada a partido nenhum: sou anarquista!”
Você considera as praias do Rio um lugar democrático? Como você viu esse episódio do arrastão nas praias e da explosão de violência dos “justiceiros” na sequência?
“O Rio era democrático, mas depois dessa onda conservadora, eu já não sei mais. Tenho muito medo desse negócio da polícia sair prendendo preventivamente suspeitos que nada fizeram, no melhor estilo “Minority Report”.
Você contou que tem recebido várias ameaças violentas depois que renegou suas declarações nesse vídeo. Acha que se você fosse homem seria diferente?
“Tenho certeza que se eu fosse homem seria diferente. Fui ameaçada de morte, estupro, linchamento. Queria ver se fosse homem. Aliás, queria ver um homem ter a coragem que eu tive de ir lá e dar a cara para bater!”
O vídeo dirigido por Nelson Honeiff pode ser visto, na íntegra, aqui: