Yvonne Bezerra de Mello sempre foi uma mulher corajosa. Desde a Chacina da Candelária, em 1993, quando prestou assistência aos menores sobreviventes ao ataque de policiais, ela não se importou com a opinião alheia para implantar o Projeto Uerê, que dá acompanhamento pedagógico a crianças traumatizadas pela violência nas comunidades. Em março deste ano, ela chegou a desafiar homens do Comando de Operações Especiais (COE), que tinham entrado atirando no Complexo da Maré, sem pensar na segurança das crianças na escola. Ultimamente, Yvonne vem desabafando nas redes sociais que está com medo. Ela explica o porquê. Sobre o caso do adolescente que matou o médico Jaime Gold, na Lagoa, Yvonne diz que ninguém é irrecuperável.
Por que você se diz com medo? “Toda a vez que acontece um episódio como esse do médico esfaqueado na Lagoa, envolvendo menores, viro alvo de comentários. É como se as pessoas estivessem acusando: “é aquela ali, que educa bandidos”. Sei que a população está muito cansada, tem realmente muita gente morrendo, mas as pessoas não entendem o teor do meu trabalho. Se nada for feito em relação a esse menino, daqui a dois anos ele vai estar solto e vai cometer outro crime parecido”.
Quando da apreensão desse mesmo menor pela polícia, uma das outras vítimas dele o classificou como irrecuperável. Você concorda com isso? “Ninguém é irrecuperável, o que precisa ser feito é um trabalho para que ele não volte a cometer outros delitos. Muita coisa melhorou, mais ainda faltam políticas públicas para dar conta de tanto menor abandonado, negligenciado. Segundo as estatísticas, a parcela de crimes hediondos cometidos por jovens no país está restrita a 0,5%. Quando o menor chega a viver nas ruas, aí a liberdade se torna perigosa. Tem que haver um monitoramento. Por que, quando esse menino deixou de frequentar aulas, a escola não foi atrás? Por que essa mãe não foi chamada? Pode ser, também, que seja um problema neurológico, mas, nesse caso, se fosse um menino de classe média, o enfoque seria outro, já estaríamos falando em tratamento psicológico etc.”
E no Projeto Uerê, você se depara com crianças de má índole? “Não existem crianças de má índole, as que chegam lá estão traumatizadas. Mas a culpa é de um todo, não só da família, mas da deterioração da sociedade. É muito difícil passar padrões morais quando o país inteiro parece não ter. É o cara lá em cima que faz a roubalheira, o outro que faz ‘gato’ e ninguém se importa. Estamos num conflito ético muito grande.”