Tudo certo como 2 e 2 são 5, já dizia Caetano. Que a vida é um buraco escuro frequentado por ratos, volta e meia temos essa certeza. E passamos batido por qualquer ideia de termos um encontro com nossa consciência. Tudo isso e muito mais é o nosso encontro Cacá Carvalho, em “2X2 = 5 – O Homem do Subsolo”, a partir do texto Memórias do Subsolo, de Fyodor Dostoyevsky.
Ao chegar ao teatro escurecido, vemos algo de cor indefinida, como se fosse um balão. Aí, percebemos que o balão sobe e desce. É uma barriga desnuda, enorme, quase que indecente, que se move lentamente e sexualmente ao ritmo da respiração. Já é o nosso primeiro encontro: ver algo desnudo à flor da pele, que não tem vergonha nenhuma de expor o absurdo ou a feiura. Sem palavra alguma, começa a interpretação magistral, impressionante, irretorquível, e todos os adjetivos que se quiser, com que Cacá Carvalho generosa e corajosamente divide com a plateia.
O espetáculo – resultado de uma bem-sucedida parceria de 30 anos do ator com o Teatro della Toscana, da Itália, com o diretor Roberto Bacci, o dramaturgo Stefano Geracci, o cenógrafo e figurinista Márcio Medina e o iluminador Fábio Retti – nos transforma a todos em coadjuvantes de um homem que se recolhe a um subsolo, veste-se, tira a roupa, bebe, come e se vê em uma ratoeira, mas que todo o tempo traz o mundo para a pequenez da condição humana.
Durante a criação do texto, Dostoyevsky dizia: “Estou escrevendo um romance que me dá muito sofrimento.” Em outra carta escreve: “Eu tenho nervos fortes, e não consigo ter domínio de mim mesmo.” Há que ter mais que nervos fortes para enfrentar o tour-de-force de Cacá de Carvalho. Há que ter a coragem de enfrentar o sofrimento e se reconhecer que só espantamos os ratos, reais, imaginados e metaforizados quando reconhecemos a inferioridade e a escuridão da condição humana. Obrigada, Cacá Carvalho, por nos conduzir nesse caminho.
Serviço:
Espaço Sesc
Sexta e Sábado às 20h30
Domingo às 17h e às 19h