Resolvi publicar aqui esse texto que escrevi para a oficina literária (do professor Ivan Proença, de onde sou uma das alunas), sobre a morte da minha mãe, que partiu no dia 18 de novembro de 2004, há nove anos:
Minha mãe não era feliz, mas era alegre. Sempre que lembro dela acabo fazendo comparações com outras pessoas que têm um dom, um tesouro, um talento que não sei definir, mas sei que tem relação com a alegria. Ao vê-la ali no caixão, um caixão tão resistente – sempre fui contra caixões resistentes, por achar que a terra demora a tragá-los, mas era o que ela apreciaria – me veio a cabeça a sua risada, alta e espontânea. Olhei o corpo e refleti, como será a vida sem aquela gargalhada? Onde foi parar aquele prazer de viver? Em que canto do mundo? E continuei olhando e lembrando que numa das poucas vezes em que a vi vestida para uma festa, seu vestido era cor de rosa. Por que agora escolheram um terno lilás? Ela nunca usou terno. Imaginei: esse é um dos momentos em que fazem da gente o que querem – e que importância tem? Enquanto isso, pensava que pela sua ausência, ali estava a pessoa mais presente de toda a minha existência. No começo, resisti a olhar seu corpo, pensando que seria melhor ter na cabeça a imagem viva; quando comentei com meu pai, ele disse: “Você deve olhar, pra não se arrepender depois”. Primeiro, vi ao redor tanta gente que não sabia direito de quem se tratava, passei pelo balaustre no meio da pequena multidão até chegar à primeira sala da casa da fazenda, lotada de amigos e curiosos: olhei, olhei, olhei longamente, mas não toquei, não cheirei, não beijei e não abracei minha mãe, que sempre abraçava tão apertado e sincero. Tive receio de não ser correspondida e de não gostar do seu cheiro, tão bom em vida – no fundo sabia que nem eu nem ela me perdoaria por isso. Não sei definir, além da dor, o que senti, mas não arrisquei. Podia também nunca mais esquecer o perfume da morte que eu não queria comparar com o da vida. Mas seria apenas mais uma de tantas lembranças. Por que não fiz isso? E me perguntei: “Nossa relação é difícil até num momento desses?” Nessa hora escorreu uma gota de suor da sua testa, naquele calor nordestino de novembro; interpretei aquilo como uma lágrima. O que a faria chorar agora? As pessoas alegres quando vivas, ficam tristes quando mortas?