Quem é o brasileiro que não sabe do talento de Lucélia Santos? Porém um outro, tão grande quanto representar, é o de cidadã. Seus amigos sempre souberam disso, mas muitos brasileiros só descobriram depois de a atriz ser fotografada, mês passado, num ônibus cheio no Rio. A foto correu o País de ponta a ponta, depois de ser publicada numa rede social, quando, à época, ela comentou: “O Brasil é o único país que conheço em que andar de ônibus é politicamente incorreto!”. Desde então, Lucélia pôde divulgar seu jeito de pensar sobre o desmazelo (pra dizer o mínimo do mínimo) dos dirigentes e outros assuntos, o que só mostra que, se metade da população (de todas as classes) agisse como ela, certamente estaríamos em melhor situação. Lucélia enxerga o próximo, o que, em qualquer lugar do Planeta significa civilidade, não é? Destemida, indignada, descontente com muito daquilo com que temos de conviver, a atriz comenta com sua bravura habitual (apesar de sempre com a voz doce): “Vou continuar andando de ônibus, já que o trânsito do Rio está uma putaria.” Logo, logo, poderemos vê-la como Frida Kahlo no teatro. Até lá, vale ouvir o que ela diz:
UMA LOUCURA: “Viver no Brasil é simplesmente uma loucura, com esta cultura provinciana onde o rico ostenta – em sua maioria, novos-ricos. Tudo é feito pra um tipo de ‘sofisticação’ que não é sofisticação. Adoram pagar caro por comida, por exemplo, só porque o lugar está na moda. Aqui é o oposto, ao contrário dos outros lugares, onde os ricos são discretos. O tipo de vida simples que gosto de levar, confunde. Isso não deveria me tornar diferente no Rio. Amo uma vida ligada à natureza: subir a Pedra na Gávea, andar de chinelo, andar de ônibus, o que não quer dizer que eu não seja sofisticada.”
UMA ROUBADA: “Vir pra Barra em qualquer dia é inviável. Moro aqui (no Itanhangá) há 35 anos e, na minha casa, há 31. Pratico Iyengar Ioga com uma professora na Zona Sul, onde tenho que ir quatro vezes por semana. Não dá – tudo, pelo caos que é o transporte público. Quando tudo está melhorando, tem novos empossados, aí os investimentos anteriores vão pro lixo, e os empresários do setor ficam na mão deles. Os donos de empresas de ônibus têm boa vontade, senão não teriam me convidado pra conversar, e mostraram o projeto de uma frota imensa. É preciso ter uma participação verdadeira da população, reclamar, se colocar. Eu ter sido fotografada numa linha vagabunda foi o que desembestou toda essa mídia.”
UMA IDEIA FIXA: “Ideia fixa é comprar minha Mercedes Benz branca, o melhor carro do mundo. Eu não dirijo, estou pensando em entrar numa autoescola, mas vou continuar andando de ônibus, já que o trânsito do Rio está uma putaria. Espero que tudo melhore quando acabarem as obras. Tem que tirar os carros individuais da rua e os ônibus desqualificados – o Jayme Lerner tem um projeto maravilhoso de mobilidade urbana. As pessoas não partilham porque são egoístas. Meus vizinhos passam por mim e não têm nem a sensibilidade de perguntar ‘Lucélia, você quer uma carona’? Está longe de ser como Vancouver, a cidade mais civilizada que conheço, onde passei dois meses, em 2013.”
UM PORRE: “A ressaca é nossa – é horrível!
UMA FRUSTRAÇÃO: “Não ter liberdade total no Brasil. O que eu mais prezo na vida é a liberdade. Os serviços privados e caros aqui não funcionam, estão cerceados pela incompetência. Se me perguntarem por que não vou morar fora, respondo que é porque escolhi o Brasil. Gastamos muito em impostos sem retorno. É tudo muito caro. No Canadá, para dar um exemplo, você sendo estrangeiro ou até indigente, existe o respeito pelas pessoas, pelo humano. Quero me relacionar numa grande cidade de forma confortável e harmoniosa – isso é liberdade. Pode falar o que quiserem de mim, menos que eu não faço a minha parte. Falta de cidadania é feio.”
UM APAGÃO: “Apagão foi depois de um porre que tomei em Recife com um certo amigo comum nosso. Nem sei como cheguei a Porto de Galinhas…”
UMA SÍNDROME: “Tenho a síndrome da arrumação!”
UM MEDO: “Medo de faltar água e ar no Planeta; estão gastando, destruindo. O povo acha que tem muito no Brasil, e essa ideia leva à destruição.”
UM DEFEITO: “Persistir, em algumas coisas, às vezes, até, de uma forma meio burra.”
UM DESPRAZER: “Meus desprazeres são: fumantes por perto; poluição dos carros e motosserra ligada. Ouço o barulho e começo a chorar – me dá uma dor no coração. Recentemente foram derrubadas as árvores de frente da minha casa, mudou a temperatura, a luz, tirou o filtro, devassou tudo. Para algumas pessoas, não existe diferença entre uma geladeira e uma árvore.”
UM INSUCESSO: “Ter tido apenas um filho.”
UM IMPULSO: “Virar produtora cultural.Tenho planos imediatos, mas não posso falar. Vou fazer uma peça sobre a vida da Frida Kahlo. Começo em São Paulo; depois, Rio.
UMA PARANOIA: “Tenho paranoia em passar pela polícia quando chego a um novo país. Eu começo a suar, é o maior clima de tensão. Não devo nada a ninguém, mas não fico tranquila.”