Agora em fevereiro, faz seis meses que a vida de Beto Neves, um dos mais queridos estilistas e empreendedores cariocas, tomou um rumo inesperado, movido pela tragédia. O criador da marca Complexo B perdeu, de uma só vez, a mãe, Linete, a sobrinha, Manuela, e o namorado dela, Rafany. Eles foram assassinados dentro de casa, em São Gonçalo, na região metropolitana do Rio. Nas semanas que se seguiram, os traços criativos de Beto mudaram; as roupas coloridas passaram a dividir espaço com camisetas ilustradas com palavras de protesto, como “Fé” e “Justiça” – um desabafo que o ajudou a encontrar forças para continuar.
Cerca de 40 dias depois do crime, os suspeitos foram presos pela Divisão de Homicídios de Niterói. O ex-padrasto de Manuela, Michel Salim, foi apontado como mandante. O estilista permanece de luto, mas já consegue refletir sobre o que passou naquele 27 de agosto de 2013 e tirar palavras de apoio para quem também teve a vida devastada de forma brutal. Na entrevista deste sábado (01/02) à seção Invertida, Beto fala de perda, dor, do trabalho dos policiais, da força dos amigos e, sim, de um futuro que, até há pouco tempo, ele não conseguia enxergar.
UMA LOUCURA: “A maior loucura da minha vida foi ver aquela cena (ao chegar à casa da família em São Gonçalo e encontrar os corpos da tia, da sobrinha e do namorado dela, assassinados). Nunca mais quero ver nada parecido, nunca mais. É inesquecível. Não somos preparados para a morte, principalmente quando ainda se é jovem. A cena do crime, da covardia do ato, da estupidez de como se trata a vida, ficaram marcadas e ainda vão ficar por muito tempo em minha memória”.
UMA ROUBADA: “Roubada é jornalista que planta noticia na sua boca, como já aconteceu comigo. Em contraste a isso, se não fosse pela imprensa, talvez o crime tivesse tomado outro rumo, como era o plano da quadrilha que planejou e assassinou minha família. Mesmo a mídia sensacionalista, onde certos advogados/atores tentam desvirtuar a atenção da investigação, não impediu que viesse à tona a verdade, culminando na confissão e rendição dos assassinos”.
UMA IDEIA FIXA: “Tenho a ideia fixa de que tudo vai passar. Eu precisava ter paz pra continuar e dar paz pra eles continuarem. Tenho também ideia fixa na fé: todo o trabalho que venho realizando com a Complexo B, desde 1994, foi baseado no acreditar. Não ia ser naquele momento que ia decepcionar a todos nem, principalmente, aqueles que estavam indo embora. Quando falei pra mim mesmo no espelho “EU TENHO FÉ”, como se fosse um mantra, um lembrete, daí veio a ideia de reverberar isso nas outras pessoas, dando continuidade a esses 20 anos da marca”.
UM PORRE: “Porre é um deslize, um descuido. Beber só pra comemorar”.
UMA FRUSTRAÇÃO: “Frustração, tenho poucas. Não tenho nem ambições, nem medo de enfrentar os meus desejos. Outra frustração é ter perdido o cabelo aos 20 e poucos anos”.
UM APAGÃO: “A palavra apagão me lembra o Lulu Santos. Quando eu estava no meio do primeiro apagão, há anos, no começo da minha carreira, ele ligou querendo comprar calças. Estava no escuro e ele foi uma luz, uma referência. Apagão de todo tipo, tento evitar; sou precavido”.
UMA SÍNDROME: “Tenho a síndrome do Jorge, do São Jorge“.
UM MEDO: “Medo de ficar sozinho, medo de perder a esperança, medo de não me apaixonar de verdade. Sonho ter um grande amor. Os outros medos são normais, de todo mundo”.
UM DEFEITO: “Sou muito obsessivo, teimoso, não consigo ouvir não. Não esqueço o que me fazem para o bem e para o mal. Tenho muita gratidão”.
UM DESPRAZER: “Desprazer é o Instituto Médico Legal – o maior dos desprazeres. Ter que reconhecer numa bandeja do IML e assinar o atestado de uma pessoa a qual você assinou a certidão de nascimento foi duro”.
UM INSUCESSO: “Insucesso é não tentar. O não já existe; tem que buscar o sim”.
UM IMPULSO: “Tenho o impulso de evoluir. A gente tem que acreditar, tomar um impulso e se jogar. Agora penso no futuro – nos primeiros meses, um abismo foi criado em minha frente, não visualizava uma ponte ou caminho para continuar. Mas, aos poucos, fui percebendo que não podia decepcioná-los, e que era pra eu continuar minha missão e ainda suportar a herança deixada independente da forma e do tamanho dos problemas. Passado esses quase seis meses, tenho conseguido desfazer as cenas mais tristes, criando novas para aquele 27 de agosto de 2013. Eles seguem seus caminhos e eu sigo o meu. Até porque tem coisas que não voltam. Acabou. Vamos em frente”.
UMA PARANOIA: “Paranoia não faz parte do meu vocabulário”.