Ricardo Linhares tem em si um dos maiores bens da vida, e esse ninguém pode tirar-lhe: a alegria! Desde que foi alçado ao time de grandes autores da teledramaturgia brasileira da Rede Globo, nada mudou. Talvez a conta bancária tenha ficado ainda mais rica, mas isso é assunto dele, não é? O comportamento, como aconteceria com qualquer pessoa bacana e digna, continua exatamente o mesmo, olhar suave, sem destemperos. Como se sabe, com muitos não é assim… Esteja no ar ou fora dele, Linhares é sempre atento e carinhoso com os amigos – quem não gosta disso?
Na entrevista, diz não ter grandes medos – só aqueles bem comuns, que todo mundo tem, sem paranoias absurdas, mas com forte impulso para tudo dar certo. E o melhor, talvez para os outros e não pra ele: não sabe dizer “não”. Pode pedir, moçada! Você, que se acha uma atriz incrível, pode sugerir um papel em sua próxima novela. Não, não deixe passar essa intenção – respire confiança e parta pra cima!
Na reta final de “Saramandaia”, Linhares é festejado pelo público e pela crítica, que reconheceram a bem-sucedida “ousadia” em adaptar a obra original de Dias Gomes, quase 40 anos depois. Foi uma trajetória lógica para ele, que trocou o jornalismo pelos roteiros de novelas e afins: entre autorias principais e colaborações, já acumula 26 trabalhos. Ricardo Linhares é o entrevistado desta semana na seção Invertida.
UMA LOUCURA: “As melhores loucuras são feitas por amor. Há uns 20 anos, fui levar o meu marido (Lahire Neto) ao Galeão; ele ia embarcar para um congresso na Alemanha. Tratava-se de uma curta viagem de trabalho, e eu não tinha uma situação financeira folgada; portanto, nem pensei em acompanhá-lo. Mas, assim que o avião decolou, senti saudades. Voltei pra casa, comprei uma passagem, e quatro dias depois eu estava desembarcando em Berlim. E como loucura pouca é bobagem, nós mudamos os planos e resolvemos estender a viagem. Rodamos de trem pela Alemanha, fomos à Baviera, e depois a Praga, Budapeste, Viena e Salzburgo. Todo o trajeto foi feito na base do improviso – escolhíamos os hotéis nos guichês de informação das estações de trem e descobríamos os encantos das cidades sem planejar nada, só curtindo o dia a dia. Nessa brincadeira, ficamos quase um mês fora.”
UMA ROUBADA: “Nessa viagem pra Alemanha, resolvemos ir de Budapeste a Viena num passeio de barco pelo Danúbio. Um rio mítico, o Danúbio Azul, cantado em prosa e verso. Achamos que seria uma viagem interessantíssima. Foi entediante, a paisagem monótona, horas e horas sem nada para fazer numa embarcação húngara de charme zero – devia até ser remanescente do período comunista (era início dos anos 90) -, que avançava em baixa velocidade. E era necessário atravessar várias comportas pelo caminho, esperando um tempão em cada passagem, para nivelar o rio. Perdemos um dia nessa furada. E, numa viagem, cada dia é precioso!”
UMA IDEIA FIXA: “Tenho ideia fixa em trabalhar menos, a partir dos 60 e poucos anos, para curtir a vida e fazer muitas viagens. Comecei a trabalhar em TV aos 19 anos, na finada TVE, já escrevendo roteiros. E, desde então, nunca parei de escrever para televisão; estou sempre emendando um trabalho no outro. Faço isso com prazer, gosto do meu trabalho e tenho orgulho de me sustentar desde cedo, fazendo o que escolhi pra minha vida. Eu não vou parar de trabalhar, mas pretendo diminuir o ritmo para ter mais qualidade de vida. Adoro viajar, e ainda quero conhecer muitos lugares, como a Antártica e o Quênia.”
UM PORRE: “Porres reais, sem ser no sentido figurado, eu tomava no Crespúsculo de Cubatão, em Copacabana, na minha garotice. Eu era louco por cuba libre, alternando com um drinque chamado kamizake. A vida era tão diferente nos anos 80!”
UMA FRUSTRAÇÃO: “Minha frustração é ser desafinado! Queria tanto ter um vozeirão, cantar bem, com ritmo. Adoro música, mas sou uma desgraça cantando.”
UM APAGÃO: “Minha memória é um apagão constante. Sou péssimo para datas, confundo os anos, misturo os eventos. Tenho muita dificuldade em me lembrar do que ocorreu no passado, quando ocorreu, como foi, detalhes, pessoas, fatos. Para mim, tudo aconteceu ontem.”
UMA SÍNDROME: “Não tenho síndromes, paranoias, perseguições, superstições nem nostalgias.”
UM MEDO: “Tenho medo de morrer com sofrimento. Eu não tenho medo da morte. Acho que é o ciclo natural: a pessoa nasce, vive e morre. Se depender de mim, espero não durar além do prazo de validade, para não ficar depauperado. Mas tenho medo de encarar uma longa doença na cama – já presenciei vários casos, na família e com amigos. É muito triste. Nós não temos poder sobre isso, mas gostaria de ter um final abrupto, breve, indolor. Conheci gente que morreu dormindo; almejo essa felicidade para mim. Esse é realmente o meu grande medo. O resto dá para encarar com boa saúde.”
UM DEFEITO: “Meu maior defeito é não saber dizer ‘não’. Estou sempre disponível para tudo, tanto pessoal quanto profissionalmente. Gostaria de saber dizer ‘não posso, não quero, não estou disposto, não vou’. Meu primeiro impulso é de topar!”
UM DESPRAZER: “O maior desprazer é gente chata que gruda em festa, com papo desinteressante. Se for bêbado, pior ainda. Você tenta se afastar, e a pessoa vai atrás, sem se mancar, forçando intimidade.”
UM INSUCESSO: “Insucesso foi andar de esqui. Fomos passar o réveillon num resort lindo, nas Ilhas Maurício. Havia um grupo grande de franceses, que todo dia andava de esqui aquático, de crianças a velhos. Eu os via praticando o esporte com tanta naturalidade, achava que não poderia ser difícil. Tentei inúmeras vezes, e paguei vexame atrás de vexame. Caía toda hora, me embolava nas cordas, engolia água… Até que desisti. Esqui na neve eu nem tentei. Acho que certos esportes a pessoa tem que aprender quando é jovem – depois de velho, não dá mais.”
UM IMPULSO: “Eu tenho o impulso de seguir os impulsos. Sou intuitivo e embarco no meu feeling.”
UMA PARANOIA: “Sou paranoico com pontualidade (como se deve sofrer no Rio, onde ninguém sabe o que é isso). Faço o possível e o impossível para não me atrasar. Claro que, em festas, existe uma flexibilidade natural. Mas, de modo geral, é cafona chegar atrasado aos compromissos, deixando os outros esperando. Acho o cúmulo da falta de educação gente que não respeita os horários.”