Em vez de dizer que dá medo, que é perigoso, que é uma ameaça, os cariocas deveriam se orgulhar (pelo menos um pouco) da Rocinha, já que é uma realidade, e saber mais sobre aquelas ruas tão pulsantes e frenéticas. Orgulhar-se por muitas razões: além de ser a favela mais pesquisada no século XX, inúmeros projetos sociais começam na Rocinha, vários músicos escolhem gravar videoclipe lá, e os turistas chegam ao Rio querendo conhecê-la, porque é tema de livro, de filme, de novela.
A favela cresce na fama: em recente cena, um garotão carioca de família tradicional tentava dizer, a um estrangeiro meio novo na cidade, onde ele mora:
– Perto da Rua Marquês de São Vicente – o cara não tinha ideia.
– Próximo ao Shopping da Gávea. – e continuou sem noção.
– Pertinho da PUC – deu na mesma. Até que ele disse: – Moro mais ou menos no Baixo Rocinha, do lado de cá do túnel.
O espanhol fez cara de que entendeu na hora. A referida rua é a Sérgio Porto, onde cada casa equivale em espaço a uns 100 barracos, e, em grana, a alguns milhares. E por ser muito jovem, ele acha que associar seu endereço à favela dá um certo charme.
Ser vizinho do Gávea Golf, do Fashion Mall, da Praia do Pepino não significa muita coisa, mas ser vizinho da Rocinha já dá o que falar, seja pelo temor, seja pelo preconceito, seja pelos bailes funk, seja pelo perigo real ou imaginário, ou pelo que for. Por isso é que não tem sentido dizer que os imóveis de São Conrado são desvalorizados pela proximidade da Rocinha.
Deveria ser o contrário, já que São Conrado é um dos locais com menor índice de assalto do Rio, exatamente por desfrutar dessa vizinhança. E o que seria de São Conrado, do Leblon, de Ipanema, da Gávea, sem a mão-de-obra que vem da Rocinha? É dali que sai da faxineira à escovista que atende a grande parte da Zona Sul. E outra: existe sempre aquela fantasia de que algum motorista desavisado pode ir parar na Rocinha, como se fosse algo parecido com o inferno e de lá não pudesse mais sair. Não é nada disso. Aliás, ali tem coisas muito mais originais do que nos bairros nobres da cidade – a autenticidade, produto meio escasso, é uma delas. É tudo muito mais verdadeiro: dos sorrisos ao decote, que, quando é profundo, não deixa muito por conta da imaginação.
Por essas e outras, é que muitos gringos já chegam ao Rio curiosos e agendados para um passeio na favela. Pode ser o caso de começarem a cobrar pedágio, assim como se faz no Cristo Redentor.
(Esse artigo foi escrito por mim, Lu Lacerda, em 2007, mas vejo que continua muito atual).