Na cidade do interior onde eu estudava, via aqueles homens bem vestidos, bíblia embaixo do braço, irem sempre à missa. Prestava muita atenção apesar de não entender ainda o que era religião. E associava as pessoas que faziam aquilo à elegância. Sempre queria saber no meu íntimo porque meu pai também não agia da mesma forma.
Eu, que supunha ter um herói dentro de casa, não conseguia entender. Estava sempre a queixar-se do preço do gado, do leite, da febre aftosa, e ocupado com coisas do gênero. Sem falar que vivia a correr de um lado para o outro, ora num cavalo, ora num Jipe caindo aos pedaços.
Um dia, na cidadezinha, eu, meio que quase correndo para acompanhar seus passos (como sempre acontecia quando andávamos na rua) perguntei: “Pai, por que você não tem uma bíblia e não vai à igreja?” E ele respondeu: “Seu pai não tem tempo. Prefere rezar com atitudes.” Foi a primeira vez que ouvi a palavra atitude, mas entendi o que ele quis dizer. E dito daquela maneira, tira o sossego de uma criança.
Tempos depois me queixei por sempre andarmos num carro tão inexpressivo se comparado aos outros fazendeiros. Gostava daqueles carrões imponentes e, na minha cabeça, tão grandes quanto chiques. Dessa vez ele me disse: “A gente deve sempre demonstrar humildade: parecer menos do que é.”
E a última dessas minhas lembranças – que sempre tinha curiosidade em entender alguém que sabendo falar, usava tão mal algumas expressões da língua portuguesa – foi quando reclamei ter um pai falando errado, mesmo tendo consciência disso. “Porque o meio permite”, disse-me ele, fazendo-me calar a boca.
Eu, “sofisticação” tola. Ele, simplicidade sábia.