Meus contatos com Lily Marinho foram muito afetuosos, levando-se em conta a falta de intimidade. Nós nos conhecíamos de “obas e olás” quando a convidei para dar um depoimento no livro “Tudo que eu já fiz por dinheiro” (Editora Objetiva), onde 94 pessoas públicas falavam de suas relações com o dinheiro. Marcávamos de almoçar para gravar e quase sempre o Edgar (que trabalhou anos com ela) ligava dizendo que a Lily precisava desmarcar – pelas mais variadas razões. Ali pela terceira ou quarta vez, mandei um fax registrando meu ‘agradecimento’ pela sua atenção, num tom entre a lembrança, a cobrança e a desistência. Dois minutos depois, ela ligou se desculpando com palavras muito carinhosas. Isso deve demonstrar um pouco da sua gentileza; afinal, que interesse ela poderia ter em dar esse depoimento? Nenhum, suponho, apenas para ser solidária. Valeu a pena (principalmente pra mim), Lily adorou o livro. Era esse seu jeito de viver. A última vez em que estivemos juntas, acho que no dia de Natal (25 de dezembro de 2008), em sua casa, no Cosme Velho, com uma amiga comum, a ex-mulher de Roberto Marinho estava muito bem-humorada, com tiradas inteligentes e divertidas. Foi esse nosso último encontro. Dei-me conta de que as conversas tinham sido daquelas que, ao acontecer, a gente não percebe sua importância, vão surgindo aos poucos e parece que se redimensionando. Reproduzo aqui, na íntegra, a opinião de Lily sobre o dinheiro, exatamente como está no livro:
“Roberto e eu vivemos sem ter contato algum com o dinheiro – e confesso, isso me dá um grande prazer. Esta talvez seja a história mais curiosa que tenho em relação a este assunto. É questionável o conceito de riqueza, mas em relação ao que sempre vejo, há muito tempo devo estar na qualificação de rica. Mas, nem sempre foi assim com a minha família. Na infância, por exemplo, numa Europa assustada entre guerras estávamos longe de ser uma família rica. Tínhamos suficiente para viver com dignidade, o que para mim representou a possibilidade da riqueza real, ou seja, a boa educação. O Fernando Pessoa dizia que o dinheiro é belo porque é uma libertação. Que me permita o poeta, mas para mim o dinheiro é prisão. O próprio Pessoa era, segundo sua definição, um enganador. É de sua autoria a frase: “Para ser grande, sê inteiro”. A inteireza é a liberdade real. Não é a que o dinheiro pode possibilitar. Transformar as relações humanas, que implicam em emoção, na troca determinada pelo dinheiro é reduzir tudo a nada. O bom da mulher ser rica é ter a certeza de que não precisa da riqueza de seu homem. Ela necessita apenas do amor. Mesmo sendo rica e podendo ajudar as pessoas, todo dinheiro do mundo não me valeu de nada num dos momentos mais terríveis da minha vida. A minha fortuna não salvou a vida do meu filho. Preciso dizer mais alguma coisa?”