Nos tempos atuais, todos se acham conhecedores de nutrição. Vista como irrelevante por muitos durante um longo tempo, essa ciência foi assumindo, silenciosamente, sua crescente importância na saúde e na doença. Por outro lado, a ambiguidade do crescimento da obesidade e a valorização de um corpo cada vez mais ideal e irreal estimulam a venda de milagres. Num período em que as pessoas fazem projetos para uma nova vida, no ano que se inicia, falamos com Bia Rique, nutricionista, autora de livros e de 750 receitas saudáveis – e dona de um consultório em Ipanema que só vive cheio. Além disso, a experiência com 3.500 pacientes no projeto social que criou na Santa Casa de Misericórdia do Rio fez com que percebesse que a relação das pessoas com seu corpo e com a comida pode ser mais surpreendente do que parece.
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Você não segue os modismos mais falados nas revistas de dietas, como as ondas do “sem glúten e sem lactose”, detox, ou até mesmo a imposição de “comer de 3 em 3 horas”. Por quê?
“Algumas pessoas precisam de promessas milagrosas que alimentem o ‘tudo’ e o ‘nada’ dentro delas; assim se isentam da responsabilidade de mudanças sustentáveis, as únicas que têm significativa influência na vida e na saúde.
Vamos por pedaços: não tem sentido cortar glúten e lactose se a pessoa não tiver intolerância ou sensibilidade a eles, apenas com o intuito de emagrecer. Aqueles que comem pizza, empada, pastel, lasanha, bolo e pudim, ao cortarem esses alimentos, emagrecem porque reduziram as calorias, e não pelo fato de o glúten ou a lactose engordarem.
O detox deveria ser feito o ano inteiro – ninguém se desintoxica em uma semana. Nosso corpo é mais inteligente do que parece. No entanto, se a pessoa só come besteiras e quer uma fase inicial mais radical para se motivar, entendo, contanto que ela não entre num ciclo vicioso. Se existir uma relação de angústia com a comida, a restrição excessiva pode piorar a situação. A palavra ‘detox’ me incomoda; as pessoas usam pra tudo sem nem saber o que estão dizendo, como se fosse um passaporte para um estágio de ‘purificação’…. Comer de 3 em 3 horas não deve ser uma imposição cronológica. Se você come apenas o que seu corpo precisa, naturalmente vai sentir fome de 3 a 5 horas depois. Se isso não acontecer, provavelmente comeu demais ou não escutou seu corpo.
E as dietas, você acha que funcionam? Quais são as melhores? Por quê?
“Dietas da moda fazem sucesso momentâneo e vendem livros, pois são um pacote pronto, aliviam algumas pessoas de pensar nas suas vulnerabilidades em relação a comida e estilo de vida. A literatura mostra que cinco anos depois, a maioria volta a engordar e não realizou mudanças comportamentais consistentes. A única solução é aprender a se planejar e negociar o prazer e a privação. Comida é cultura, prazer, afeto e emoção. O corpo, na sociedade contemporânea, que vive da imagem, e sobretudo no Brasil, tornou-se um capital, desperdiçando infâncias e adolescências em busca do selfie mais em forma”.
Quais as mudanças importantes para um ano mais saudável?
“Aprender a comer somente estando com fome, não por angústia ou estímulos externos. Iniciar a refeição com alimentos que causem saciedade, como vegetais crus e frutas; variar a alimentação de forma que não se permita cair na monotonia, aprendendo a trocar um alimento por outro equivalente; planejar compras e cardápio, mas sobretudo internamente, para construir escolhas inteligentes; descobrir seus pontos fracos, negociar com eles, mantendo o prazer; priorizar o sono, pois comemos mais quando dormimos pouco; não subestimar nossa capacidade de nos autossabotar, planejando os abusos, sem culpa de saborear o que não é saudável.
Mesmo que difícil, lidar de frente e de perto com nossas dores, evitando descarregar a angústia na comida. O falso alívio que a comida voraz nos traz é curto, perto do preço que chega depois. Quando não escutamos nosso corpo, ele grita e se faz notar. Por último, lembrar que cozinhar é sobretudo um ato de amor, e a refeição, um momento de encontro com o outro ou consigo mesmo “.