Normalmente, não conseguimos entender a infelicidade, qualquer que seja a sua dimensão. No entanto, quando se trata de pessoas que consideramos bem-sucedidas (os famosos, os ricos, os bonitos, os vitoriosos), ela se torna uma charada sem solução. É dessa incapacidade de compreender, de buscar em um ponto distante uma felicidade, que se constroem trajetórias suicidas. A matéria-prima de “Como posso não ser Montgomery Clift?” é o eterno conflito interno: porque tenho tanto, eu sou tanto, eu mereço tanto.
Gustavo Gasparani encarna um Monty (assim o ator era chamado), multifacetado, apresentado como pedaços de um espelho quebrado que vão se juntando e fazendo um mosaico disforme. Um dos atores mais bonitos da década de 1950 sofre um desastre, e seu rosto fica com cicatrizes. É essa beleza marcada, agora por defeitos, que se transforma no fio condutor do texto do premiado dramaturgo espanhol Alberto Conejero López, inédito no Brasil.
O sobrenome do ator, Clift, quer dizer penhasco; sua vida se desenvolve à beira do abismo. Gustavo transforma essa metáfora em uma interpretação forte e pungente, desesperada e serena, comovente, como poucas vezes se vê em um palco. A direção de Fernando Philbert aproveita os principais elementos cenográficos, uma banheira e o figurino formal que fica desgrenhado, para criar uma movimentação que ressalta a força de Gustavo.
Gustavo cumpre à risca o que falava Muhammad Ali sobre lutar: “Voe como uma borboleta, ferro e como uma abelha”. Monty quer ser visto como um grande ator, independentemente da sua beleza. Tortura-se com sua homossexualidade. Tem um sonho de fazer uma peça com Liz Taylor. E o que se vê é um ator em sua plenitude – a peça comemora os 40 anos de carreira de Gustavo –, capaz de mostrar que a dualidade preside o sujeito, e o nosso confronto está em dificilmente aceitar. Gustavo faz, lindamente, esse papel à perfeição.
Serviço:
Teatro Poeirinha, em Botafogo
Quintas, sextas e sábados, às 21h
Domingos, às 19h