Há dez anos, nesta data, eu corria para a obra que deveria ter terminado, para inauguração do Jojo Bistrô. Renascimento. O Bistrô foi uma renovação pra mim logo depois da morte do meu pai, o jornalista Oséas Carvalho. O bairro mais bucólico da Zona Sul estava se transformando em um polo gastronômico supercharmoso. Éramos seis naquela altura da Rua Pacheco Leão; depois vieram outros, mais perto da Rua Jardim Botânico, e, alguns anos depois, outros, na Rua Carandaí, para sacramentar a cultura gastronômica do bairro.
Costumo dizer que foram a casinha, o bairro e os vizinhos que inspiraram nosso cardápio, nosso estilo, nossa cara. Inaugurei com um “pé na porta” do amigo e vizinho Dado Villa-Lobos, que fez a primeira reserva, para oito pessoas, no sábado, dia 30 de julho de 2011; depois disso, outros amigos vieram em massa. Os vizinhos ficaram cabreiros, com medo da bagunça que poderíamos fazer. Contive-me, segurei a onda dos clientes que se animavam com a beleza e tranquilidade das casinhas da Chácara do Algodão. Foquei nosso atendimento nas mesas, na culinária e nos vinhos especiais. Ocupar uma pequena calçada, com poucas mesas, e atender em um ambiente de 40m2 era um desafio. Às vezes, sentia-me montando um acampamento, mas vibrava ao ver a alegria dos clientes com nossas comidinhas feitas em dois cooktops e um forno elétrico!
Muita alegria, romance, amizade rolam ali todos os dias. A equipe que está comigo há muitos anos (tem gente que está desde o comecinho mesmo) — Guigui, Naná, Julie, Eduardo e Cabelinho, Gege e Berg — é um de meus maiores orgulhos. Nosso rápido estabelecimento se deu com Happy Oyster, às quintas-feiras, quando recebemos as ostras vivas de Santa Catarina e as vendíamos no carrinho de cachorro-quente antigo. Era uma novidade que eu tinha trazido dos meses que morei em Paris — ostras abertas na calçada, servidas com espumante e vinho branco, a preços acessíveis. Era gente comendo em cima dos capôs dos carros, sentados no meio-fio, e as mesas todas ocupadas. As ostras do sul se espalharam pelo Brasil e Florianópolis; hoje está em muitas outras cidades e restaurantes. Orgulho!
Sol, chuva, frio e calor. Estamos quase como um quiosque à beira-mar: totalmente expostos às intempéries e às situações da rua (carros, ônibus, bicicletas, obras, caminhões, enchentes). Vizinhos que amam, vizinhos que não amam tanto assim… Vizinhos que nos ajudaram a fazer o nosso Jojo. Vizinhos que brigam e se chateiam. A região já era um ponto dos artistas que compravam as casinhas da antiga fábrica de tecidos América Fabril para seus ateliês, que, junto aos moradores originais, gente linda que nasceu ali, fazem do lugar uma mistura muito especial. São filmes, fotos, locações, arte de portas abertas, bikers do Alto da Boa Vista…
Mas os desafios não terminavam. Parece que, a cada respiro, mais provações vinham para nos agarrarmos. Veio Bolsonaro e ganhamos a fama de ”o restaurante inimigo do Presidente”, segundo seus seguidores. E veio a pandemia. Não sabíamos, e ainda não sabemos, como sobreviveríamos a isso. Ter um pequeno negócio no Rio é andar numa eterna corda bamba.
O mundo inteiro abre e fecha, mas nossa calçada, nesta pandemia, sai vitoriosa, e depois de um ano e dois meses, os cariocas querem ir pra rua. Hoje, 10 anos depois, somos nós, sozinhos, na Pacheco Leão. Os restaurantes todos se foram, fecharam. Começou pelo Couve-Flor, o Bar Sobe, o Borogodó, o Bar do Horto, o Yumê. Muitos na Lopes Quintas, e nós, aqui, permanecemos e permaneceremos. Agora, aguardamos um olhar carinhoso da prefeitura para que não abandone os cuidados com o bairro, tombado pelo Patrimônio Histórico, das forças de segurança pública e dos donos dos futuros restaurantes que abrirão nas casas desocupadas. Volta, Horto! Viva o Horto!
Joana Carvalho estudou Comunicação, trabalhou em jornal, teatro, cinema, TV, assessoria de imprensa e marketing; no entanto, desde que conheceu a gastronomia, dedicou-se à cozinha. Hoje tem o recém-inaugurado Proa Cozinha Bar, no Baixo Gávea, e o Jojö Café Bistrô, no Horto.