“Sabe com quem está falando?”, “Sou seu chefe!”, “Fala comigo! Eu pago seu salário!”, “Sou formado! Melhor que você!”. Tudo isso não cabe mais em uma sociedade que fala em direitos e democracia! Todos os agentes públicos que trabalham com fiscalização devem estar sempre preparados para atitudes arredias e vergonhosas por parte dos responsáveis. Antes de sair, tento me lembrar que tenho um dever a cumprir, e não posso deixar a emoção tomar conta de mim. Penso que essas agressões são dirigidas ao Estado, que está no seu papel de direito. É daí que vem meu autocontrole. Já saio com essa essa consciência. Seria um sentimento que atrapalharia meu objetivo, sem ajudar em nada. A polarização que estamos vivendo também atrapalha o discernimento das pessoas, que acabam tomando atitudes irracionais. Na maioria das vezes, elas não acontecem, mas, quando ocorrem, têm o poder de nos espantar!
No lamentável incidente do fim de semana, na Rua Olegário Maciel, na Barra da Tijuca, quando eu estava coordenando uma equipe de fiscais, minha primeira preocupação foi filmar o local que se encontrava com aglomeração, no intuito de guardar um registro caso fosse questionada minha palavra, coisa que, em tempos normais, não precisaria! No entanto, ao perceberem que o ambiente estava sendo filmado, clientes ensandecidos se voltaram contra a equipe, me ameaçando com ofensas e quase me agredindo fisicamente! Nesse momento, fui abordado por três rapazes que se se diziam donos do estabelecimento; um deles, com sinais de embriaguez. Veio mais agressão, além de uma postura, por parte de todos, que cheguei a sentir “vergonha alheia”. Nosso foco era fazer o trabalho. Controlei os guardas que me apoiavam e os acalmei. Sabia que aquelas pessoas queriam era desviar o foco e desestabilizar a ação! Foram aos repórteres dar continuidade ao show triste, que culminou com as cenas divulgadas em todo o Brasil. Depois disso, aparece um sujeito se dizendo advogado e delegado, apresentando-se como representante dos donos. E queria me levar para a delegacia, em mais uma tentativa fracassada de desvirtuar a ação.
O mais irracional é que, depois que vencemos todos esses obstáculos e inspecionamos com calma todo o estabelecimento, encontramos mais de 80 kg de carne vencida e sem procedência, que aqueles que defendiam a casa estavam consumindo a preços mais salgados que o próprio churrasco. Fomos insultados e agredidos, mas a aglomeração foi desfeita, o alimento deteriorado foi inutilizado e a casa foi interditada. Nosso dever foi cumprido. Acreditamos que nossas ações evitam que pessoas venham a ocupar leitos hospitalares seja pela Covid, seja por doenças transmitidas por alimentos, as chamadas DTAs, que já mataram mais pessoas que o coronavírus. Fica a sensação de dever cumprido e a imagem positiva dos inúmeros servidores públicos que atuaram desde o começo desta pandemia.
Flávio Graça é médico veterinário, doutor em Sanidade Animal, Professor e Superintendente de Educação e Projetos da Vigilância Sanitária do Rio desde 2017. Atua pela Vigilância Sanitária no Plano de Retomada das Atividades Econômicas do Município. Coordenava uma equipe de fiscais, quando foi hostilizado.